sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A Esquerda e o Poder (3)

Uma experiência autárquica

Sem que isso seja encarado como receituário, suponho que interessará ao leitor, mais do que o enunciado de orientações gerais, saber o que colhi de uma experiência, que teve uma dimensão colectiva indissociável.
Importa começar por referir que o projecto autárquico dos comunistas assenta num estilo de gestão pelos eleitos das autarquias locais que é expressão dos objectivos, natureza e concepção democrática e participada de exercício do poder.

Houve garantir, a partir de opções ideológicas e políticas próprias e mesmo em regime de coligação – como foi o caso – uma coerência, que no caso concreto foi garantida quer no programa de candidatura quer na direcção efectiva das respectivas áreas, o que manteve sempre uma tensão interna, com vivas discussões sem expressão pública. Uma pedra de toque foi a questão da diferenciação das respostas privilegiando os sectores mais carenciados no ponto de vista social e urbano das barracas ou abarracados e dos bairros municipais. Outra foi a questão do planeamento e gestão urbanística, grande potencial de aproveitamento ilegítimo de recursos de privados em prejuízo da comunidade ou de operações que favorecem o compadrio, a corrupção, ou o tráfico de influências.

Começando pela área da Educação, a Carta de Equipamentos Educativos da cidade, anexa ao PDM, foi elaborada com consultas muito diversificadas de maneira a garantir um consenso sobre um planeamento democrático que deveria vigorar até 2011, atendendo às necessidades de substituição de escolas inadequadas, de construção de novas escolas em zonas da cidade onde o reordenamento urbano iria ter novos afluxos de população, garantindo terrenos municipais que ficavam comprometidos para este efeito.
Muitas foram as novas escolas e jardins de infância da rede pública foram então construídas.

Os planos de actividade resultaram duma permanente auscultação das escolas, pais e juntas de freguesia, feita no decurso de visitas do vereador e técnicos e eram apresentados no início do ano lectivo em plenário de escolas e de outros organismos que connosco cooperavam. Os apoios da Acção Social Escolar foram crescentes mas universais.
A estrutura municipal apetrechou-se de técnicos e recursos para as diferentes valências com o objectivo de agilizar respostas e ter sempre os utentes em diálogo, evitando a submersão dos interlocutores na “máquina municipal”. Os técnicos passaram a ser mais solicitados e a sentir a responsabilidade directa de melhorar as respostas mas também de discutir com os outros parceiros no processo educativo as prioridades, os problemas ou a negociar soluções práticas com a intervenção de todos. E esses parceiros passaram a estar progressivamente dentro das questões, sem “segredos”.
O nível de resposta aumentou, a compreensão geral sobre as necessidades e possibilidades também. E isso aumentou a capacidade reivindicativa dos utentes. Natural e desejavelmente. Só assim não reage quem defronta organismos cegos, surdos e mudos que não dão respostas. Ao que se conquista, na situação particularmente carente do ensino primário, segue-se o desejo de novas conquistas.
Compreender isto e agir em conformidade é uma obrigação da esquerda.

A atitude foi sempre a de encontrar as soluções práticas com os outros parceiros, não os desresponsabilizando de ter um papel activo e procurando que o seu papel próprio se consolidasse e o seu protagonismo se projectasse para fora da própria escola.
Não foi por acaso que, em cooperação com outras autarquias da Área Metropolitana de Lisboa, se tenha formado uma frente comum, independentemente das respectivas maiorias políticas, de reivindicação e proposta face à DREL e ao Ministério da Educação. Assim se criaram as condições para significativo aumento da rede pública do pré-escolar, de contrapartidas para novas intervenções (cantinas, auxiliares de acção educativa, apoio à reabilitação de escolas, etc.) e se projectou a importância da área da Educação quer em cada município como na Associação Nacional dos Municípios Portugueses mas também na opinião pública. Ou que se atenuaram as contradições entre pais e escolas/professores ou entre Câmara e Juntas de Freguesia. Pela boa identificação das responsabilidades que cabe a cada nível do poder, pela não-aceitação de divisões infundadas, nem as “arregimentar” das aspirações de cada um contra as autarquias enquanto as estruturas do Ministério iam sacudindo águas do capote…(continua)

1 comentário:

anamar disse...

Bons tempos em que os professores do concelho de Lisboa se sentiam protegidos e apoiados, eu diria mais, mimados...
Os apoios logisticos, e as parcerias tornaram se apanágio dessa coligação inesquecivel,a "máquina municipal" era mesmo infernal, no bom sentido da palavra,pronta a apagar fogos e pronta a criar novos "corpos de bombeiros"! Só nos lembrávamos que pertenciamos ao Ministério da Educação ao fim de cada mês!
Foram bons tempos, de boas recordações e de muito bom trabalho! Felizmente, eu estava por lá!
Obrigada pela viagem no tempo!
Ana