segunda-feira, 30 de março de 2009

Polícia inglesa identificou 200 crianças como "terroristas potenciais"!...


Numa investigação, iniciada há 18 meses e designada por "Projecto Canal", destinada a identificar crianças "sensíveis ao radicalismo" (!), a polícia britânica descobriu duas centenas potenciais terroristas"...

O programa baseia-se na delação por familiares de alunos de colegas, professores e membros das comunidades locais quando detectam declarações mais extremistas

O Independent de ontem, que fez a revelação, dá conta de preocupações, nomeadamente da comunidade muçulmana, de que este programa se prolongue em acções repressivas contra ela própria.

domingo, 29 de março de 2009

O narcotráfico, a América Latina e a África Ocidental (6)

Novos paradigmas no combate à droga

O combate à droga tem múltiplas vertentes. Mas na opinião pública, por via da acção da comunicação social, ela aparece quase exclusivamente centrada na repressão.

Mas quer nos países produtores da matéria-prima quer nos países consumidores, a qualidade do sistema educativo, a existência ou não de famílias estruturadas, a existência de oportunidades para obter emprego estável e bem remunerado, a possibilidade para os produtores da matéria-prima terem saída para outras produções agrícolas alternativas com programas de envergadura suscitados pelos governos desses países, a existência de um sistema de saúde com as componentes preventivas e de tratamento e a organização de programas de reinserção social têm um papel de primeiro plano e, em alguns casos, maior que as actividades repressivas.

Na Europa, em 2007, dos 36 milhões de euros atribuídos à luta contra a droga, que 28 destinam-se à repressão. Nos EUA não é possível definir valores de muitos recursos secretos ou não, ligados a intervenções armadas nos países produtores de coca e ópio.

A Europa e os EUA são os grandes consumidores que têm que agir contra o seu consumo e a procura para tornar mais viáveis produções alternativas, que também têm que ser apoiadas por outras regras de comércio, sem erradicação total da produção ancestral de coca para outros fins.

Por outro lado, a despenalização do consumo de algumas drogas como forma de lhe retirar a ilegalidade que forja a especulação e os lucros ilícitos, associados a uma actividade criminosa multi-facetada, pode também ser factor importante neste combate bem como para a existência de comunidades terapêuticas e acompanhamento medicamente assistido dos consumidores.

O falhanço do combate, nomeadamente na América Latina, com base na agência norte-americana DEA, foi há pouco tempo denunciada por uma comissão de personalidades que integra os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), César Gavíria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México) a que já aludimos em posts anteriores, e sobre o qual o Publico fez entretanto, há dias, um trabalho.
A transformação dos agentes da DEA e dos organismos nacionais que apoiava em agentes duplos, funcionando simultaneamente como dealers e intermediários importantes dos narcotraficantes, a repressão aos agricultores, a repressão associada ao combate contra as organizações de agricultores e organizações sindicais e de guerrilha de esquerda, o apoio a milícias de direita que espalharam o terror, a ingerência nos assuntos internos de alguns países, o aumento do tráfico de armas a partir dos EUA, não reprimido, que forneceu aos narcotraficantes meios poderosos, foram alguns dos aspectos que levaram a essa posição chamada “Drogas e democracia: para um novo paradigma”.

Nela se pode ler
“As políticas proibicionistas baseadas na repressão da produção e na proibição do tráfico e distribuição, bem como a criminalização do consumo, não produziram os resultados esperados. Estamos mais afastados que nunca do objectivo proclamado da erradicação das drogas”.
Estes falhanços têm sido particularmente sentidos na Colômbia e com aspectos muito dramáticos, mais recentemente, no México, onde têm sido assassinadas centenas de pessoas desde o início do ano em virtude essa política de terror por tropas federais por vezes com rejeição dessas acções pelas polícias municipais (Paloma de Villa e o estado de Chihuahua não se esquecerão tão cedo dos massacres…). Sem que tivessem sido capturados chefes do narcotráfico, a não ser há dias um deles. Apenas…

Pintura, de Leonid Afremov



"L'éfroyable imposture", de Thierry Meyssan

O novo livro de Thierry Meyssan apresenta-nos abordagens bem diferentes das que inundam a comunicação social sobre o Próximo Oriente. O autor sustenta que os sucessivos falhanços e tentativas de paz israelo-árabes têm que ser interpretados face às reais causas do conflito e de um plano de longo prazo de interesses “ocidentais” no domínio da região.
O autor, jornalista francês que dirige a Rede Voltaire, de agências “não-alinhadas” da Europa, América Latina e países árabes, tornou-se célebre pela publicação de trabalhos sobre o 11 de Setembro, que contribuíram para uma nova visão desses actos terroristas, em que os dirigentes norte-americanos são acusados de eles próprios os terem perpetrado. Estas investigações estão já hoje assumidas por vários países e tornaram-se instrumento de análise irrecusável por parte de quem os terá querido simplificar para justificar a ofensiva norte-americana na região, mesmo tendo recorrido ao apoio de aliados, em perseguições ao autor e a outros, em organismos de diferentes países, que perfilharam os seus pontos de vista.
Múltiplos episódios são apreciados neste novo livro e conduzem à sustentação do referido plano a longo prazo. Para ele, a criação de um estado judeu na Palestina foi obra dos dirigentes evangélicos norte-americanos e ingleses mais do que o próprio movimento sionista. Por outro lado, aborda os planos do Pentágono para dominar as riquezas petrolíferas da região que recorreram aos meios de dividir os povos e desmantelar os estados e a sustentação das suas teses sobre o terrorismo islâmico, inventado para servir tal estratégia. Revela ainda porque é que o Hezbollah conseguiu deter a ofensiva israelita do Líbano e os apoios discretos que teria tido da França, Rússia e China, para alem de militares israelitas que se têm oposto ao sionismo.

sábado, 28 de março de 2009

Teatro Negro de Praga

Frase de fim-de-semana, por Jorge




"Nunca se esqueçam de que só o peixo morto é que se desloca a favor da corrente"

Malcom Muggeridge, jornalista inglês

quinta-feira, 26 de março de 2009

Esculturas dos povos Vezo e Sakalava, de Madagáscar, dos séc. XIX-XX



Cartoon de Monginho

in Avante!

Da C&T na Rússia pré-Outubro, por Francisco Silva

Uma convicção que alastrou após a Revolução de Outubro, uma convicção que na prática assim foi querida, e sem lugar a discussão, teria sido o erro ou, no mínimo, o engano de Karl Marx ao afirmar que as primeiras sociedades onde as revoluções socialistas teriam sucesso seriam aquelas onde o capitalismo já fosse uma realidade madura - foi pouco mais ou menos assim que foram rezando muitos intelectuais ditos «marxianos» sobretudo por esse desenvolvido Ocidente fora.

Outro lado pelo qual se olha para esta questão é o da Revolução de Outubro, ao ter acontecido num pais de dominância camponesa - o país dos mujiques, onde o processo de quebrar das relações servis ainda era recente -, ter constituído um erro voluntarístico dos revolucionários russos. Estes, estando a actuar num país atrasado como era a Rússia dos czares, nunca deveriam ter avançado para uma transformação tão radical.

Então, por um lado Marx ter-se-ia enganado ao afirmar que a revolução socialista era só para os mais desenvolvidos de todos - e portanto, em face da Revolução de Outubro, verificava-se que a revolução socialista era para os países atrasados; e quando estes chegassem a um certo grau de desenvolvimento passariam por força para o capitalismo e sua democracia. Por outro lado, como os revolucionários russos avançaram numa sociedade onde não estavam maduras as condições para tal, era por isso que as coisas corriam mal e a União Soviética jamais poderia ser um país desenvolvido, constituir-se como um Estado de Direito, etc.

Ora o facto é que, na Rússia desses tempos, tanto a prática das artes - música, literatura - como a das ciências já possuía um nível elevado. E não se pode desligar estas realidades das outras capacidades societais a diversos níveis. O que faz pensar a questão teórica dos limiares, das alterações qualitativas: ultrapassado o limiar estavam criadas as condições necessárias que Marx referiu para a possibilidade da revolução socialista. Por isso, esta aconteceu na Rússia - não foi voluntarismo dos revolucionários russos nem deslize teórico de Marx.

De um tal ambiente novo destacam-se os casos da Ciência na Rússia anterior à Revolução de Outubro, em particular relativos à Ciência em articulação com aplicações dela afluentes, isto é, os factos que caem no âmbito do que hoje se apelida de Ciência & Tecnologia - C&T. Com efeito, o papel desta tem sido considerado como factor determinante para o desenvolvimento económico e social, de que os EUA e outros países, como o Japão, o Reino Unido, a Alemanha, a França, etc., se constituíram como exemplos não contestados.

Assinalemos então os casos de Ivan Pavlov, Ilya Ilich Mechnikok, Alexander Popov e Konstantin Tsiolkovsky. Outros haveria a citar, seguramente. Os dois primeiros foram laureados com o Prémio Nobel da Fisiologia/Medicina. Pavlov recebeu o Prémio Nobel pelas suas descobertas dos processos digestivos de animais. Pavlov acabou mesmo por entrar, mais do que para a História, para o falar do dia a dia devido à sua investigação sobre o reflexo condicionado. Fala-se do cão de Pavlov, do seu salivar enquanto reflexo condicionado, etc. Mechnikov ficou conhecido pela sua investigação pioneira em imunologia, tendo sido laureado com o Prémio Nobel pelo seu trabalho na área da fagocitose. Popov foi um dos pioneiros da telegrafia sem fios - TSF -, com precedência sobre Guglielmo Marconi, o italiano que foi senador no tempo de Mussolini. Popov começou a realizar experiências no início dos anos 90 do século XIX, na peugada de Heinrich Hertz. Em 1900, a tripulação de um navio guarda-costeiro russo salvou pescadores finlandeses com a ajuda da troca de telegramas entre duas estações rádio. O último dos exemplos referidos é o de Tsiolkovsky. O programa aeroespacial, lançado pela União Soviética foi inspirado, entre outros, por ele, o mais antigo dos «pais» do programa. Tsiolkovski discutia na sua obra teórica «A exploração do espaço cósmico por motores de reacção», publicada em 1903, quais os combustíveis necessários para que um foguetão pudesse dispor da potência suficiente para se libertar da atracção terrestre e atingir outros planetas.

Exemplos, penso que bem relevantes, de que a Rússia que se aproximava de fazer a Revolução de Outubro, sem embargo um enorme país pleno de contrastes, já tinha entrado no ritmo da que progressivamente viria a ser a moderna C&T, que se constituiu no decurso do século XX - digamos assim - como o mais poderoso pilar do moderno desenvolvimento.

(publicado no "Avante!" de hoje)

quarta-feira, 25 de março de 2009

Sobre os acontecimentos em Madagáscar (2)

À medida que os dias passam os apoiantes do presidente deposto manifestam-se nas ruas, aumenta a pressão internacional para uma rápida "normalização democrática" da situação, isto é, para que com a mudança tudo fique na mesma...

A população em revolta nos últimos meses, massacrada com centenas de mortes perpretadas pelo exército a soldo do presidente deposto arrisca a que o crédito de Andry Rajoelina, que assumiu a condução desse movimento, se perca se não começarem as medidas que conduzam à melhoria das condições de vida dos malgaches.

Rajoelina não tem um perfil profissional e político diferente do presidente deposto. Ambos homens de negócios jovens, formados na escola do neo-liberalismo, acederam ao poder cavalgando o descontentamento popular que cìclicamente foi afogado em sangue e deu origem a golpes cíclicos. Em Madagáscar, até prova em contrário, que o nosso conhecimento não tenha alcançado, a esquerda que poderia ser portadora de um projecto de mudança com fundamentos na questão agrária e na utilização do petróleo de produção promissora dos próximos anos para programas sociais que, por sua vez gerassem, o desenvolvimento agrário e industrial de bens essenciais, entregou-se ao neo-liberalismo. É o caso do MFM que de "partido proletário" se tornou em movimento que acabou por lhe fazer perder todos os deputados que tinha no Parlamento...Os oponentes tradicionais estão a aproximar-se das teses da rápida "democratização" e não contribuem para a criação de uma plataforma política mais consequente. Os militares fartaram-se de ser repetidamente usados para reprimir o povo e parecem estar firmemente disponíveis a uma mudança de rumo.

Os interesses em jogo são, como referimos na primeira parte deste artigo a produção agrícola a ser dominada por uma multinacional, e também o petróleo, onde a multinacional francesa Total se posiciona para o efeito como noutros países africanos como o Gabão ou o Chad em que o petróleo não há maneira de ser utilizado em programas sociais antes produz lucros para as multinacionais e umas recompensas para os grupos dirigentes.
Por detrás de Marc Ravalomanana sentem-se as influências de interesses anglo-saxónicos e do protestantismo. Por detrás de Andry Rajoelina são evidentes os interesses da França e dos meios católicos. Falar de uma motivação religiosa não tem, para já, qualquer fundamento mesmo que a África esteja a ser objecto atento do Vaticano para uma nova evangelização, jogando a expansão do catolicismo no aproveitar da crítica anti-corrupção realmente existente em vários países africanos e onde os níveis de vida de camadas dirigentes contrastam de forma gritante com a da maioria das populações.

Depois de eleito em 2002, Ravalomanana foi reeleito em 2006 e, apoiado no seu partido - Tim - entregou-se a "reformas estruturais", a privatizações que conduziram à pauperização maior dos trabalhadores, a grande maioria dos 20 milhões de habitantes da ilha. Rapidamente misturou os seus interesses pessoais e do Estado e, tal como já aludimos na primeira parte deste artigo, passou a beneficiar pessoalmente e através das suas empresas (o império Tikoland e empresas como a MAGRO).

Apesar de um crescimento de 6% em 2007, a população vive, em média, com menos de 1 dólar por dia e mais de 59% sofre de má-nutrição crónica (percentagem que tem aumentado nos meios urbanos). Depois da compra de um avião presidencial de 60 milhões de dólares e da concessão à Daewood, como referimos na primeira parte, de mais de metade do solo arável, da liberalização dos serviços sociais básicos que afastaram muita gente do seu usufruto por não ter dinheiro, o aumento anterior do preço do petróleo e dos bens essenciais, a redução da actividade nos portos francos, que geravam muito emprego, na sequência do Acordo Multifibras, a revolta, mesmo sem fortes organizações políticas e sindicais enquadradoras, estalou. A revolta passou a ser perseguida e o regime adquiriu todos os tiques ditatoriais.

Resta saber se, neste contexto, Rajoelina, o novo grupo dirigente, as forças armadas e a população, conseguirão criar uma dinâmica revolucionária, com um programa político que vá ao encontro das necessidades da população e que crie estruturas políticas e sociais que se constituam, como apoios a este processo. Ou se se vão deixar atascar em compromissos políticos com os responsáveis anteriores da situação, serem meros peões de interesses de potências e multinacionais, criando um novo ciclo de descrédito e novos padecimentos para os malgaches.
Madagáscar ganhou a sua independência em l960 apesar da violência contra a rebelião por parte da França, a potência colonial. Em 1972 um golpe militar com sinal de esquerda propunha-se aprofundar as consequências políticas, económicas e sociais da independência mas este estado de coisas acabou por cair num novo golpe de estado conservador que dirigiu ditatorialmente o país durante 17 anos. A França nunca perdeu influência importante no país.

terça-feira, 24 de março de 2009

A Marcha de 23 de Maio

O PCP e a CDU decidiram convocar para dia 23 de Maio uma Marcha de "protesto de ruptura e de confiança"

"É perante esta situação de um país sem saída no quadro da actual política, é perante esta exigência de ruptura e mudança na vida política nacional, que anunciamos hoje a realização de uma grande manifestação política, uma Marcha de protesto, ruptura e confiança, uma grande acção de luta por uma vida melhor, que irá decorrer no próximo dia 23 de Maio, precisamente daqui a dois meses, na cidade de Lisboa."
E Referindo que se trata de

Uma marcha para levar mais longe a denúncia e o combate às injustiças, ao desemprego, à miséria e à corrupção e inscrever no horizonte mais próximo do Povo português a necessária ruptura com a política de direita, a construção de uma nova política e de um novo governo para Portugal.

Uma Marcha que tem como objectivo expressar de forma clara e inequívoca o descontentamento e a indignação que percorre o país e que vem no seguimento das grandes acções de massas realizadas nos últimos anos e para onde convirjam muitos dos que se sentem atingidos, indignados e ofendidos com a actual situação do país.

Uma Marcha que considere a importância das batalhas eleitorais que se seguem, mas cujos objectivos estão para além das eleições, projectando uma nova fase do processo de construção da ruptura com a política de direita.

Uma Marcha de oposição às opções políticas do Governo, de exigência de uma mudança clara na vida política nacional que vá ao encontro dos valores de Abril e dos direitos inscritos na Constituição da República.

Uma Marcha promovida no quadro da CDU aberta à participação de todos os que se sentem atingidos nas suas condições de vida, na sua dignidade e que reclamam justamente uma vida melhor.

Uma Marcha que é um sinal de esperança, de confiança num futuro melhor, construída por aqueles que querem ser homens, mulheres e jovens do seu próprio tempo, construtores do presente e do futuro.


À intervenção quotidiana junto dos trabalhadores e das populações na mobilização contra a política de direita, à intensa iniciativa política no Parlamento Europeu e na Assembleia da República, à acção concreta na resolução dos problemas das populações no plano do poder local, à presença de milhares de militantes e activistas nas organizações e movimentos de massas onde realizam um trabalho sem paralelo para unidade e reforço da intervenção dessas estruturas, o PCP e a CDU juntam esta grande iniciativa, impulsionando o grande movimento de ruptura e mudança que a actual situação exige.

(da sua apresentação por Jerónimo de Sousa em 23 de Março passado)

Vox populi


Ai Lucílio, como diz a praga que aqui te mando, desarrimada da porcaria que fizeste, havia de te dar uma dor tão grande, tão grande, que nunca mais parasse, que quanto mais corresses mais te doesse e, se parasses, rebentasses!...

domingo, 22 de março de 2009

Fim de tarde de domingo com Mercedes Sosa

O narcotráfico, a América Latina e a Africa Ocidental (5)

A DEA e o narcotráfico na América Latina

Da exclusiva leitura dos jornais, alimentados por agências internacionais com visões unilaterais da questão mais as manchetes que os respeitáveis directores dos nossos media decidem, ficaria a impressão de que em matéria de países na luta contra o narcotráfico haveria os “bons”, com os EUA à frente e a sua agência anti-drogas DEA, e outros que estaria feito com os narcotraficantes, que dificultaria essa luta para alimentar a corrupção interna desses estados e para que os seus proveitos fossem canalizados para guerrilhas de esquerda em países “amigos” dos EUA – como a Colômbia de Álvaro Uribe.
Quem quiser sustentar esta tese, é livre de o fazer mas, com um mínimo de dados, rapidamente se sentirá burlado com estas histórias da carochinha que nem sequer é bonitinha…
Os EUA têm, de facto uma agência, que supostamente teria como objectivo combater o narcotráfico e cooperar nesse fim com instituições congéneres de outros países. A realidade é outra. O objectivo de sucessivas administrações dos EUA tem sido serem os States a controlar o processo, procedendo a uma repressão colectiva dirigida aos pequenos produtores da matéria-prima – espoliados pelas multinacionais de culturas alternativas e confrontados com um mercado que não dominam em que os chamados países desenvolvidos têm asa maiores procuras dos produtos finais para seu consumo e os grandes intermediários, quer os da transformação quer os do narcotráfico, pressionam cada vez mais a produção. Os EUA contribuem para a destruição dos grandes cartéis quando os não domina. Os de Cali e Medelin, uma vez desfeitos, transformaram-se numa rede de outros menores, infiltrados por agentes da CIA e do DEA, e por outros provocadores, ligados aos das redes maiores que os EUA conseguiram já controlar, nomeadamente as máfias norte-americanas.
A destruição aparatosa de plantações ou pequenas fábricas, o combate ao branqueamento em bancos latino-americanos encobre a tolerância para com componentes desta actividade nos próprios EUA onde elas já não têm o mesmo impacto repressivo e mediático. Mas vários têm sido nos últimos 30 anos os casos de destacadas figuras do crime organizado estreitamente articulados com a CIA (F. Nugan, Abe Saffron, Terry Clark, sir Peter Abeles, sir Peter Strasser, Rupert Murdoch, T. Shackley, R. Secord, Oliver North, etc.)
Ao nível de cada país produtor as burguesias nacionais ligadas ao sector procuram nalguns casos fugir ao controlo dos Estados para terem uma relação com esses cartéis discutindo com eles as partilhas de lucros e noutros casos garantem a protecção institucional. Não tem sido estranho que figuras como Oviedo (Paraguai), Menem (Argentina) ou Salinas (México) estejam ou tenham estado directamente ou por meio das suas famílias a eles ligados. Os EUA preferem isso ao nascimento de camadas sociais nacionais ligadas a esta actividade que possam constituir-se como seus rivais.
Em vários países “amigos” é notório que o narcotráfico é beneficiado pelo tráfico de armamento dos EUA, para quem os States têm os olhos fechados, e alimenta grupos paramilitares que matam dirigentes sindicais e camponeses, comunistas, jornalistas, activistas de esquerda católicos. O caso da Colômbia é paradigmático e os dramáticos últimos meses no México também.
Mas não só motivações de canalização e utilização dos lucros desta actividade legal motivam os EUA. Com a DEA a administração norte-americana tem penetrado as forças policiais de tais países gerando novas possibilidades de intervenção contra a esquerda, organismos que institucionalizam a corrupção na direcção dessas actividades e de articulação delas com o tráfico de armas e as redes de prostituição, campanhas eleitorais, assassinatos de políticos e camponeses, desrespeito pelas autoridades locais, sabotagem de portos e aeroportos (como tem acontecido na Bolívia e na Venezuela que, por isso têm expulso agentes da DEA e retirado o seu controlo dessas infra-estruturas a autoridades locais comprometidas, …
Apesar da responsável da DEA, Karen Tendy, ter referido que o Plano Colômbia era um êxito e criticar a Bolívia e a Venezuela por não cooperarem e de estimularem o narcotráfico, foi o contrário que aconteceu: o Plano fracassou e cada vez maiores são os resultados da luta contra o narcotráfico nestes países, mesmo perdendo os recursos que a DEA lhes poderia fornecer e optando por procurar parcerias com outros países. O Presidente Rafael Correa do Equador prepara o encerramento da base de Manta, considerada como o centro de controlo regional do narcotráfico. O presidente Evo Morales expulsou a DEA depois de ter demonstrado a sua participação em actos de sabotagem ao governo e de apoio aos grupos reaccionários


Tandy, Salinas, Uribe, Menem, Oviedo,...a mesma "luta"!

sábado, 21 de março de 2009

Sobre os acontecimentos em Madagáscar (1)

Os acontecimentos dos últimos dias em Madagáscar, segundo o Le Monde de hoje, terão tido como uma das origens, para além de outras que têm sido referidas, a cedência de centenas de milhar de hectares terras já cultivadas por agricultores malgaches e outras do Estado que o presidente deposto pretendia fazer, por 50 anos, à multinacional Varun Internacional, através da sua filial sul-coreana Daewoo, para aí fazer a plantação intensiva de arroz (em 80% da terra), milho e lentilhas, um agro-negócio de 1,5 mil milhões de euros para dez anos.
A operação faz parte da procura da Índia, através de uma outra empresa indiana, em aumentar as exportações de arroz do Madagáscar para a Índia dos 20% da produção actual para 60% da produção daqui a dez anos.
A terra seria arrendada pela empresa aos agricultores devendo estes entregarem 30% das respectivas safras, realizadas com uma produtividade muito mais elevada (passando no que respeita ao arroz de 3 para 12 toneladas por hectare).
Naturalmente que o negócio tinha contra-partidas, entretanto aceites pelo anterior presidente de modernização de métodos, de modernização de equipamentos agrícolas e criação de infra-estruturas como a electrificação, escolas e centros de saúde, fornecimento de água potável.
O Estado recolheria benefícios mas os principais interessados – os agricultores – não estavam a par do negócio.
O novo presidente, Andry Rajoelina, anunciou que iria anular a cedência destes 1,3 milhões de hectares. E agora a Varun procura demarcar-se da Daewoo dizendo que, ao contrário dela, não quer despedir mas sim contratar os camponeses dessas terras.
Até agora os camponeses estavam esmagados pelas taxas de juro da banca e de intermediários credores para produzirem mas tinham já criado cerca de 2500 caixas de poupança (bancos locais de arroz) que tinham retirado parte dessa pressão a cerca de 45 mil famílias dedicadas a esta produção.
O golpe de Estado, apesar de rejeitado, compreensivelmente, por muitos países (nenhum esteve na tomada de posse de hoje do novo presidente), teve um imenso apoio popular e das forças armadas que apoiaram o jovem Andry Rajoelima a protagonizar a mudanças desejadas.
Esta é uma questão a acompanhar, com procura de informação que não seja apenas a dos clichés das agências internacionais.

Cartoon de Monginho

in Avante!

Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, de Siza Vieira




O spot televisivo e a campanha contra o movimento sindical


O governo foi derrotado pela unanimidade da crítica às veleidades anti-democráticas de alguns homens e mulheres de mão que criaram e deram voz a um spot anti-sindical.

O governo e os seus apoiantes dominam o aparelho de Estado. Esta família e outra com que vive em concubinato na partilha de favores mediáticos, de pastas e de postas, foi-se consolidando e constitui um cancro da democracia, para além da cancerígena política económica, social e cultural, feita e refeita num contínuo baralhar e dar de novo de cartas marcadas e roletas viciadas.

Muitas queixas e debates sobre a liberdade de informação são por vezes suscitadas por vários dos que frequentam a mesa de um tal estado de coisas. Noutros casos - e são a grande maioria - esses gritos de revolta vêem das próprias vítimas efectivas das máquinas manipuladorasa deste "sistema".

Não é por acaso que, ao mesmo tempo, o Expresso tenha continuado no seu último número uma campanha convergente que já começara por não permitir que as forças policiais referissem números de manifestantes que prejudicassem a imagem do governo. O Expresso sustenta que as avaliações de manifestantes têm que passar a ser feitas segundo critérios adpotados noutros países em que a relação polícia-cidadão está mais deteriorada do que em Portugal.

É a crise da democracia...

A frase de fim-de-semana, por Jorge





Para não cair no criticismo, não faça nada, não diga nada, não seja nada


Elbert Hubbard

quarta-feira, 18 de março de 2009

Vox populi


Depois das sanguessugas dos organismos do Estado e dos tubarões da banca, porque não crocodilos no Douro?...Ainda temos uns ossinhos para chupar...

terça-feira, 17 de março de 2009

Reflexão sobere a manipulação e a tutela, por Rodrigo


Hoje vocês vão desculpar-me porque tenho que fazer uma reflexão profunda sobre a minha independência e se estou a ser tutelado ou não sem dar por isso sim porque o nosso primeiro veio dizer-nos que os 200 mil da manif eram boas pessoas mas estavam a ser manipulados e eu andei lá no meio, porque tenho queixas aqui do meu patrão, a ver se via os fios nas mãos do Jerónimo de Sousa mas só os vi nas saias duma giraça que ia a chamar nomes à nossa vítima de estimação então passou-me pela cabeça que os comunistas já deviam utilizar comandos electrónicos para o efeito e dei de caras com um senhor a dizer pelo telemóvel que estava muita gente e que o PS precisava de ver aquela manif e eu até achei mal porque a coisa estava a correr tão bem e porque é que haviam de os chamar e foi então que vi com estes dois que a terra há-de comer um agitador a manipular uma bandeira com reivindicações e devia ser isso porque muitos outros estavam a manipular bandeiras e o coitado do Carvalho da Silva devia estar aflito com tanta manipulação e eu reflecti se não estávamos ali todos a ser prensados por uma tutela mas só me senti prensado porque era muita gente mas felizmente o nosso amado grande líder lá me esclareceu ontem quando foi falar a uma multidão aí duns quarenta da classe média que afinal eram sindicalistas mas dos bons, socialistas e tudo, e discursou com um olhar reverencial dos circunstantes e eu aí percebi o que era a manipulação e tutela e venho agradecer ao nosso primeiro o carácter pedagógico da sua intervenção que me permitiu uma reflexão sobre o supracitado tema.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Mais um importante passo na América Latina: candidato da FMLN vence eleições em El Salvador

Na sua primeira mensagem ao país, Maurício Funes, candidato da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), vencedor das eleições salvadorenhas, fez um apelo à reconciliação e unidade nacional, numas eleições dominadas pelo medo e as ameaças da candidatura da direita da ARENA, que passaram pelo assassinato há três dias de dois jovens que ostentavam bandeiras da FMLN no município de Nejapa.
Funes fez a declaração de vitória, ontem à noite, quando estavam contados 91,7% dos votos, a sua candidatura atingira 51,3% e a do candidato da ARENA 48,7%. O candidato da ARENA já reconheceu a derrota.
O resultado era o previsto por todas as sondagens.

Funes, um dos comunicadores mais influentes no país, deixou a sua profissão de jornalista de TV para seguir a actividade política, que o levou a ser agiora eleito presidente.
Carlos Mauricio Funes Cartagena nasceu em San Salvador em 1959 e durante mais de 20 anos dedicou-se ao jornalismo com uma grande popularidade, principalmente devido às suas fortes críticas a diversos sectores e especialmente ao Governo da direita.
Com seu triunfo, o FMLN, que entre 1980 e 1992 travou uma luta armada contra o Governo, chega pela primeira vez ao poder e coloca fim a 20 anos de hegemonia da Aliança Republicana Nacionalista (Arena), de direita, que concorreu nestas eleições com Rodrigo Ávila.
O presidente eleito é casado com a brasileira Vanda Pignato, representante do PT na América Central.

Funes foi ratificado como candidato do FMLN em 11 de Novembro de 2007, data em que faziam 18 anos da última ofensiva lançada pela ex-guerrilha, e desde esse dia todas as sondagens o situaram na frente das preferências eleitorais.
Funes não teve passado guerilheiro e tirou os seus estudos básicos e universitários com os jesuítas, embora não tenha conseguido concluir a carreira de Licenciatura em Letras na Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas (UCA).
Entre 1986 e 1991 trabalhou no "Canal 12", onde chegou, em 1997, a ser diretor de informação e a dirigir programas de grande audiência, caracterizados por serem muito críticos em relação ao Governo.
Também foi até há poucos meses, antes da sua indigitação como candidato, o correspondente em El Salvador da cadeia americana de notícias "CNN" em espanhol.
Em 1994 recebeu o prémio Maria Moors Cabot, da Universidade de Colúmbia.

Ao escolher Funes como presidente, os salvadorenhos também designaram como vice-presidente do país Salvador Sánchez Cerén, o único membro do Comando Geral do FMLN, durante o período guerrilheiro, que ainda se mantém neste partido.
O governante eleito prestará juramento em 1 de Junho por um período de cinco anos, sucedendo a Elías Antonio Saca, quarto presidente que a Arena levou ao poder nos últimos 20 anos.

A viragem à esquerda em El Salvador é importante para o processo emancipador na América Latina onde forças muito diferentes, com diferentes concepções estratégicas e percursos diferenciados, se reclamam de objectivos de esquerda. No caso de El Salvador, o processo de paz ratificado em 1992 pôs fim aos combates e a FMLN integrou-se na vida política legal com uma grande pujança, mas com alteração de posições políticas.
Este resultado está ameaçado por uma direita muito activa, relacionada com os grandes proprietários e com instituições, que nestas eleições, apoiaram claramente a ARENA, com a qual a FMLN terá que fazer compromissos para poder governar, sendo certo que essa direita vai fazer todos os esforços para reverter a curto prazo os resultados de ontem.
A nossa solidariedade vai impôr-se!

domingo, 15 de março de 2009

Paco Ibañez canta Antonio Machado


Estão a decorrer os 70 anos sobre o fim da Guerra de Espanha onde os fascistas, com o apoio de Hitler, venceram a República.

António Machado o grande poeta de Espanha, depois da derrota, morria amargurado em França, como 34 anos mais tarde Neruda morreria depois do golpe contra Salvador Allende no Chile.
Paco Ibañez canta aqui um dos poemas mais belos de Machado que começa com "era un niño que soñaba..."
Era un niño que soñaba




Era un niño que soñaba
un caballo de cartón.
Abrió los ojos el niño
y el caballito no vio.
Con un caballito blanco
el niño volvió a soñar;
y por la crin lo cogía...
¡Ahora no te escaparás!
Apenas lo hubo cogido,el niño se despertó.
Tenía el puño cerrado.
¡El caballito voló!
Quedóse el niño muy serio
pensando que no es verdad
un caballito soñado.
Y ya no volvió a soñar.
Pero el niño se hizo mozo
y el mozo tuvo un amor,
y a su amada le decía:
¿Tú eres de verdad o no?
Cuando el mozo se hizo viejo
pensaba: Todo es soñar,
el caballito soñado
y el caballo de verdad.
Y cuando vino la muerte,
el viejo a su corazón
preguntaba: ¿Tú eres sueño?
¡Quién sabe si despertó!
(...)

in Parabolas de António Machado

"O homem que decidiu envelhecer"..., de Suzana Ruth Vasques

Eles nao sabem nem sonham
Que o sonho comanda a vida
Que sempre que um Homem sonha
O mundo pula e avanca
Como bola colorida
Entre as maos de uma crianca...

Pináculo de catedral,
Contraponto, sinfonia
Máscara grega, magia
que é retorta de alquimista
ouro, canela, marfim



Florete de espadachim,
bastidor, palco de dança,
Columbina e Arlequim ...

Cisão do atomo, radar,
ultra-som, televisão
Desembarque em foguetão
Na superfície lunar...

Eles nao sabem, nem sonham(...)

Antono Gedeão (Rómulo de Cravalho) in Pedra Filosofal
(Faz centenário)!


"O homem, 49 anos, disse para a mulher, 71 anos: “ estou a envelhecer cada vez mais, e mais rápidamente, sabes porquê?”
A mulher: “porque trabalhas demais, fumas demais, bebes pas mal de vinho, viajas para cá e para lá demasiadas vezes e andas em stress constante, além de te deitares tardíssimo, a ler.”
O homem: “enganas-te, estou a envelhecer porque, além de ser natural, quero atingir num ápice uma idade bem mais adiantada, para tu poderes rejuvenescer!”
A mulher: “leste foi o livro do Fitzgerald , O Estranho Caso de Benjamin Button, eu vi o filme, como sabes, agora queres imitá-lo?”
O homem: “esse já nasceu velho, eu quero envelhecer, é completamente diferente e tenho boas razões para isso, quero envelhecer para tu rejuvenesceres, de modo a atingirmos os dois a mesma idade!”
A mulher: “estranho, nao sei porque carga de água me lembrei agora de uma história que o Oliver Sacks, o psiquiatra norte-americano, conheces, não conheces, contou num romance, a historia de um cliente que, ao saír da consulta foi buscar a mulher, sentada em frente dele, dizendo para o médico: levo a minha mulher comigo, claro! Mas, a mulher, não era mais do que o seu chapéu de chuva!”
O homem: “não entendo, nao tem o cú a ver com as calcas... além disso, acho que não estás a contar a história como é, não me lembro também, só me recordo que o livro tem por titulo “O homem que confundiu a mulher com o chapéu de chuva!”
A mulher: “o meu primeiro marido não dizia cú, dizia rabo - nao tem o rabo a ver com as calças - foi meu professor de filosofia, imagina um professor a dizer cú, nas aulas do Liceu D. Joao de Castro?”

O homem: “e dizes tu que tens má memória, lembras-te de tudo, do passado, do presente e se calhar, do futuro que nem conheces, mas adivinhas, näo?”
A mulher: “a minha memória bloqueia de vez em quando, como sabes, ainda ontem queria dizer o nome do realizador do filme “A Cidade Branca”, passado em Lisboa e só me lembrava de Alain Tunner? Turner?, bloqueei, só hoje de manhã me lembrei: Tanner. No entanto, lembrava-me que era também o realizador de Jonas, qualquer coisa, ano 2000?, nem agora me lembro, a historia daquela caixeira de um supermercado, na branca e púdica Suiça, que via o Jonas roubar todos os dias comida e não o denunciava, até acabou por lhe meter, ela própria, coisas no saco.”
O homem, sonhador: “ e assim nasceu uma historia de amor, mas foram apanhados, não foram?”


A mulher: “näo é Jonas 2000, mas também não dou com o titulo exacto. Imagina, faz-me pensar, sei lá eu bem porquê, no romance do Aldous, “Huxley 1986”, é assim o título? E dizes tu que tenho boa memória!”
O homem, um sorriso ternamente irónico: “confirmo, tens boa memória, para a idade...”
A mulher: “mas explica lá, estás a envelhecer para eu rejuvenescer? Então nao gostas de mim como sou, justamente com a idade que tenho!”
O homem “sabes bem que me estou nas tintas para a idade, I dont give a damn of it (ele a citar a frase que ela tinha a mania de usar, às vezes por dá cá aquela palha, a frase que o belo Clark Gable atira à bela Scarlet O´Hara, em Nem Tudo o Vento Levou)
A mulher : “sabes, quando eu era jovem e bela, chamavam-me de Ava Gardner, lembras-te do filme, The barefoot Countess, vê lá tu...”
A mulher tinha visto tudo o que eram bons filmes, ia nos 71 anos e adorava cinema, nao em DVD´S, ele bem lhe copiava do programa televisivo franco-alemão ARTE, talvez o melhor de todos ( um que a TV Cabo tirou aos espectadores portugueses, regalia retirada, ela até telefonou para a Cabo a reclamar aquilo a que tinha direito, responderam-lhe que teria de pagar à parte, uma box qualquer, porque a ARTE, quase ninguém via, tinha cultura a mais, ao que ela comentou num tom àspero: “ ah, será que os portugueses preferem telenovelas, ou futebol, ou crimes e guerra, violencia, quanto mais, melhor?, não, não acho que os portugueses sejam menos interessados em programas interessantes, do que os outros europeus que vêm este canal!”

A mulher o que gostava mais era de ir ao cinema a sério, gostava do ritual, comprar o bilhete para maiores de 70 – pedia sempre a sorrir - entrar na sala, escolher o lugar, longe das outras pessoas, para ficar como que isolada, só, sentar-me cómodamente, abrir a bolsa, trocar de óculos, assistir ao apagar das luzes, depositar na cadeira ao lado, a garrafinha de àgua, o saco de pano, com algum livro, algum jornal ou revista, um casaquinho de malha, podia estar frio, nos cinemas ou está frio demais, ou calor demais, (um dia até exigiu que lhe devolvessem o dinheiro, depois de ter saído arrebatadamente da sala) e devolveram, voltou no dia seguinte e avisou que se não aumentassem o ar condicionado reclamava à Defesa do Consumidor, chamaram logo a chefe e o assunto resolveu-se.


Também levava no saco uns soquetes quando ia de sandálias (no Verão), um cachecol, de caxemira no inverno, Pasmina da India ou do Paquistão, ou ligeirinho, de seda, no tempo mais quente ( tinha um italiano e um francês ), levava tudo a que se tem direito, para o que desse e viesse, uma grande amiga até costumava dizer, cheia de ternura: você é mesmo judia, anda sempre com um saquinho, só falta a escova de dentes, se calhar até traz uma!

O homem: “ ainda és jovem e bela, sabes muito bem, o que conta é a tua vivacidade, estás muito mais viva do que a maioria das pessoas, bem mais viva do que eu...”
A mulher: “OK, mas como consegues isso de envelhecer tão depressa, e como rejuvenesço eu, ficamos os dois com que idade? Tens alguma média?
O homem: “tenho, um momento, um momento único nas nossas vidas (eterno?), ficaremos os dois com a mesma idade... e uma das razões para tu rejuvenesceres é por mostrares tanta pena de nao chegar ao século XXI, para veres as mudancas no planeta, no mundo (bem vejo o teu ar pensativo, sonhador, quando a gente, à tua volta, fala de certas coisas que irão acontecer num futuro qualquer, pensas que já não estarás cá para assistir, além de eu saber que gostarias de ver os teus trinetos e a evolucão de tudo isto...”

A mulher, numa voz muito séria: “mas até que idade queres envelhecer e eu até que idade rejuvenesço?”
O homem: “tenho de fazer contas (tinha a mania da matemática, apesar de ser físico), gostava de alquimia, de economia, de gestão, de politica, de ler livros policiais, apesar de conhecer muita literatura não policial, devorava os grandes autores de “Krimies”, como dizia na sua língua natal e ainda pesquisava tudo àcerca de sal – sale della vita - desde o sal-gema, até ao marinho, de várias cores, de muitos países – não gosto de sal – afirmava e ninguém percebia porque trabalhava então com esse elemento da natureza. Mas como era irónico, nunca se sabia bem...

A mulher, novamente num tom de voz muito sério: “mas se eu nao envelhecer mais, ficas sem o prazer – e não estava a ser irónica - de tomar conta de mim, de empurrar a cadeirinha de rodas, de me levares ao centro de saúde, ao hospital, ao restaurante, à esplanada a ver o mar, ao jardim, sei lá”...
O homem, tao sério , quanto ela: “depois se verá!”

Nessa noite a lua encheu de luz branca-azulada a casa e ele falou como que para os seus botões, por outra, para os botões de ambos: “olha, fiz um pacto com a lua, dou-lhe a alma, como o Dr. Fausto deu ao Diabo, e em troca a Dona Lua põe-me com cabelos grisalhos, rugas, varizes, dores nas costas, cansaço no coração ao subir escadas, ou ruas, tira-me mais alguns dentes, aproximo-me da tua idade, fico mais velho, tu mais nova ... “
E a mulher a pensar: “qual Dr. Fausto, qual Lua, deve ser é alguma alquimia, coisas dele...”

O homem: “de qualquer maneira, vais atingir os cento e vinte anos...”
A mulher: “e, tu?”

Susana Ruth Vasques
Sitio da Cumeada, 8 de Março de 2009

Dedico esta cronica ao homem da crónica e a todos os homens que amei e me amaram!

Obras de António Gaudi