O José Manuel Jara, para além de ser um médico psiquiatra conceituado, é um velho amigo. Conhecemo-nos na Universidade, antes do 25 de Abril, numa altura em que os comunistas tiveram confrontos ideológicos (e não só...) com alguns esquerdistas, muitos dos quais importantes companheiros de luta, contra o inimigo comum que era o fascismo. Já então o Jara se destacava como um sólido polemista, militante das idéias, como uma rara capacidade de, em ambiente agitado de reuniões estudantis, conseguir fazer essa polémica com seriedade intelectual e com humor corrosivo.
O Jara publicou o presente trabalho no último Avante! Acordámos em que aqui o publicaria também, em vários posts dada a sua extensão. Aprazada ficou a publicação de um outro escrito seu, actualmente em elaboração. Mas talvez até lá o Jara nos presenteie com o seu próprio blog, um espaço que faz falta. Ora, ouçam-no então.
Findava o século passado quando foi lançada a primeira pedra de um novo partido. Os seus fundadores, cientes da muita originalidade da iniciativa, baptizaram o «movimento», não propriamente como um partido na tradição portuguesa, com o nome de «Bloco de Esquerda». No Manifesto de 1999, o lema foi «Começar de Novo», começar um «novo movimento capaz de se constituir como alternativa na política nacional e de se apresentar aos portugueses nas eleições», desse último ano do milénio que expirava. Que coisa é o «Bloco»? Que marcas transporta da sua pré-história gerada pelos velhos, e agora extintos, pequenos partidos da extrema-esquerda, como o Partido Socialista Revolucionário (PSR), a União Democrática Popular (UDP), e de grupos como a Política XXI? Que boa nova trouxe para a «esquerda» em Portugal? Como tipificar o seu discurso? Como caracterizar a sua actuação política? Que esperar da sua marcha aparente em quarto crescente?
A zebra é o animal que leva por
fora a sua radiografia interna
(Ramón Gómez de
A presente análise toma partido, não poderia ser de outro modo. Não há teoria política fora do terreno áspero das lutas ideológicas. No bilhete de identidade do BE, definido pelos seus dirigentes (apesar da pretensa informalidade, o «movimento» é liderado por dirigentes, mesmo que por controlo remoto), é retratada a formação política com um natural favorecimento, como a encarnação da modernidade política, como a verdadeira «esquerda socialista»; e, de modo implícito, como a suma inteligência dos novos tempos. Para além destas verdades reveladas sondemos outras, veladas.
1- O código genético bloquista e o 25 de Abril
Seria pura mistificação fazer de conta que os fundadores do BE nasceram politicamente no mesmo ano do seu novo partido. A sua carreira política já ia longa quando fundaram o BE. No entanto, a datação histórica tem na própria fundação o marco miliar. Diz o carismático Francisco Louçã, falando do PCP, partido por si tido como rival, por definição: «O PCP é um partido que foi fundado no princípio do século passado e o BE foi fundado no último ano da viragem do século. Penso que isso diz tudo.» (Sábado, 22/12/05). Para os dirigentes do BE o tempo começa a contar no ano I da sua fundação… O tempo histórico, o passado de lutas, de resistência, e o papel determinante do PCP na Revolução de Abril e nas lutas que se seguiram, o papel do PCP como partido das classes trabalhadoras, tudo isso está ultrapassado… Eis o sintoma flagrante da falta de percepção histórica típica do «movimento» de pretensos neófitos, cujo cronómetro só regista a hora nos seus próprios pulsos.
A ausência de uma filosofia da história transparece no estilo auto-elogioso, validado para o Bloco e para os líderes. Em resposta à pergunta do jornalista sobre onde está a «energia nova do BE», responde Louçã, com uma ironia egocêntrica típica: «Eu represento essa energia nova.» Eis a versão tonificada do papel do indivíduo na história..
(continua)
1 comentário:
O debate de idéias é sempre oportuno e clarifica situações que ficam disfarçadas no ritual das imagens.
Ora aqui está o que me parece ser uma questão a considerar neste e noutros blogs.
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