O que direi de seguida, é longo, mas devia fazê-lo assim.
Em sessão presidida pelo Professor Matos Ferreira, presidente cessante do Conselho Directivo do IST, meu colega desde o liceu e depois nesta escola, usaram da palavra o Professor Nuno Crato, Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática e o Professor jubilado JaimeCampos Ferreira, responsável do que viria a ser o departamento de Matemática, e eu próprio, agradecendo em nome da família.
Estiveram presentes o Ministro da Ciência e Tecnologia, Mariano Gago e o Presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia, João Sentieiro, antigos colegas seus como o Professor Lopes da Silva, ex-Reitor da Universidade Técnica e colaboradores da IST-Press. Camaradas seus do PCP como Carlos Carvalhas e Domingos Abrantes mas também outros e familiares.
Nuno Crato referiu-se, citando o profesor Jorge Buescu, à importância da consulta pelos estudantes de manuais, não se limitando a estudar por apontamentos das aulas que são muitas vezes portadores de imprecisões, resultantes de "ruídos" de circunstâncias e lapsos de alunos e professores. E disse que quem não lê tais manuais corre o risco de um analfabetismo específico. Indicou um conjunto de características que um bom manual deve ter, para além de dever ser mais uma ajuda ao aluno que um exercício de eloquência do professor. E referiu que tal citação não tinha sido feita para esta obra mas até parecia que o tivesse sido por estarmos diante de um bom manual de Matemática.
Campos Ferreira deu conta de três episódios que o marcaram no conhecimento do autor, por quem nutriu admiração pela entrega a um ideal generoso e altruísta que lhe trouxe sacrifícios e lhe impediu a carreira científica.
O primeiro quando o autor se candidatou no início dos anos 60 a assistente da Faculdade de Ciências de Lisboa, sendo o candidato mais classificado, e que apesar de ter passado dois meses a dar aulas viu o seu contrato não ser assinado por imposição da PIDE. Os outros dois assistentes, João Santos Guerreiro e ele, Campos Ferreira ficaram revoltados e informaram António H. S. Abreu do facto, ficando surpreendidos com a atitude dele, que disse já o esperar, para se não preocuparem, como se os estivesse a consolar.
Noutro caso, no final dos anos 60 voltou a candidatar-se agora no Técnico, junto de Campos Ferreira, que então estava lá, e que receou o resultado, apesar de ser o candidato mais bem colocado para o lugar. Como Abreu insistisse para prosseguir com o processo, foi ter com o director do IST, Fraústo da Silva, que, junto do então ministro Veiga Simão, conseguiu a assinatura do contrato sem, aparentemente, isso ter passado pelas mãos da PIDE/DGS.
O último episódio ocorreu na tarde de 25 de Abril de 1974, quando o Conselho Esccolar ia reunir e a sala foi ocupada por estudantes. O professor António Abreu saltou para cima da mesa do Conselho Escolar e do que disse, Campo Ferreira reteve "É preciso manter a cabeça fria". E, de facto, não houve problemas de maior, mas viu na sua cara afogueada que, ele próprio, talvez não conseguisse cumprir o que então recomendava aos estudantes...
Campos Ferreira só na lombada deste livro veio a saber do número de prisões que António Abreu tinha sofrido, de que tinha casado na Cadeia de Caxias e de que não recebera o prémio Mira Fernandes, atribuído ao melhor aluno de Matemática, à escala nacional, por não ser filiado na Mocidade Portuguesa.
Na altura, tive a oportunidade de agradecer, em nome da família, começando por referir que o autor das "Funções de Variável Complexa-Teoria e Aplicações", teve, para além da família e dos amigos, duas grandes paixões: a Matemática e a luta política. Da Matemática interromperam-lhe a docência por razões políticas.
Atendendo à família, ao PCP não pôde dar tudo quanto gostaria de dar e, também por isso, os seus filhos e família o prolongaram nessa entrega, honrando a sua memória e a da sua mulher.
Ainda eu estava aqui a terminar o meu curso, antes do 25 de Abril, com ele há pouco regressado à escola, quando desempenhou papel interessante em duas grandes lutas que, enquanto estudantes aqui travámos. Em ambos os casos beneficiámos de vitórias conseguidas de uma
inquebrantável unidade dos estudantes mas também do apoio ou simpatia de parte significativa do corpo docente, que ele integrava, e que acabava por ter reflexos no Conselho Escolar.
Ainda eu estava aqui a terminar o meu curso, antes do 25 de Abril, com ele há pouco regressado à escola, quando desempenhou papel interessante em duas grandes lutas que, enquanto estudantes aqui travámos. Em ambos os casos beneficiámos de vitórias conseguidas de uma
inquebrantável unidade dos estudantes mas também do apoio ou simpatia de parte significativa do corpo docente, que ele integrava, e que acabava por ter reflexos no Conselho Escolar.
E foi em nossa casa, não longe daqui, que se concluíram negociações tripartidas entre Directores, em ligação com o MEN, representantes do corpo docente e da AEIST. Negociações que consagraram esses sucessos mesmo quando os directores diziam que só concluíam a negociação se não cantássemos vitória. Mas cantámo-la.
Tal como soubemos, pela primeira vez, o que era assumir compromissos decorrentes de uma
negociação. E o meu pai, com outros docentes, valorizou-os muito para que as situações não revertessem.
Com ele, no Técnico aprendemos Matemática mas também Política e a ética que ela deve conter.
O Técnico, com os seus alunos e professores, alguns dos quais nas forças armadas, contribuíram para a conquista da liberdade, para novas mentalidades onde o papel do ensino, o papel da ciência e da técnica para o desenvolvimento económico e social e a centralidade do trabalho na economia, passaram a ser paradigmas.
negociação. E o meu pai, com outros docentes, valorizou-os muito para que as situações não revertessem.
Com ele, no Técnico aprendemos Matemática mas também Política e a ética que ela deve conter.
O Técnico, com os seus alunos e professores, alguns dos quais nas forças armadas, contribuíram para a conquista da liberdade, para novas mentalidades onde o papel do ensino, o papel da ciência e da técnica para o desenvolvimento económico e social e a centralidade do trabalho na economia, passaram a ser paradigmas.
No final, a família fez entrega ao IST de um retrato, feito pelo nosso pai, do saudoso Professor Ferreira de Macedo, um dos seus mestres.
Se o meu pai estivesse presente teria gostado desta jornada.
3 comentários:
Nunca falei com o seu pai.
"Conheci-o" por mo apontarem numa manifestação e me contarem quem era, o seu valor científico e a sua coragem política. Senti-me honrado e orgulhoso por estar a seu lado nesse momento.
Agradeço e cumprimento-o por ter partilhado connosco esta homenagem
Agradeço o facto de partilhar com os seus leitores a evocação que fez do seu pai. Sem duvida um grande homem digno no nosso respeito e admiração. Obrigado camarada
Agradeço a ambos as palavras que nos dirigiram.
Um abraço
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