Os habitantes de Gaza tentavam regressar a casa - os que ainda tinham casa. 50 mil deslocados vivem ainda em 50 escolas
Enquanto os soldados israelitas deixavam a Faixa de Gaza, aparentemente com instruções de saírem do território até à tomada de posse do novo Presidente dos EUA, os palestinianos emergiam de abrigos para ver a escala da destruição deixada pelas três semanas de operação militar.
Havia quem regressasse a casa para a encontrar destruída, havia quem nem conseguisse perceber onde tinha sido o lugar da sua casa no bairro agora reduzido a destroços.
O empresário Tayseer Abu Eida estima que a sua família alargada tenha perdido mais de quatro milhões de dólares. "Dez casas com vários andares e duas grandes fábricas de cimento, totalmente equipadas, foram completamente destruídas."
Em Zeitoun, um dos bairros da Cidade de Gaza mais afectados pela operação militar, os habitantes usaram burros para levar rações alimentares distribuídas pela ONU. Mas muitos já não tinham casa para voltar, portanto regressaram aos abrigos temporários que eram as escolas da ONU.
Segundo números da ONU citados pelo diário britânico The Times, há mais de 50 mil deslocados, que têm estado abrigados em 50 abrigos de emergência, na maioria, escolas que não estão a ser usadas.
"Há quatro meses, comprei esta casa", disse à Reuters Tawfeek al-Mawasi, olhando para um edifício de dois andares numa zona aberta. "Agora tenho de pagar para a demolir."Um jornalista do diário britânico The Guardian esteve em Zeitoun, uma das zonas mais destruídas da Cidade de Gaza.
Viu casas destruídas e uma que tinha sido usada como base pelos soldados israelitas. Tinha cápsulas de balas, embalagens de rações alimentares e paredes com slogans escritos: "Os árabes têm de morrer" e "Árabes: 1948 a 2009".A agência Reuters descrevia também escritos dos soldados, dentro de uma mesquita: "Hamas is dead", dizia um, em inglês.
Mas o movimento islamista não desapareceu. Ontem, polícias de trânsito do Hamas já estavam ao serviço nas ruas da Cidade de Gaza, conta a Reuters, mesmo que não houvesse muito trânsito para regular: a maior parte das lojas estava vazia e os bancos fechados - não havia dinheiro.O Hamas veio ontem dizer que 5000 casas foram completamente destruídas, assim como 20 mesquitas e 16 edifícios governamentais. Outras 20 mil casas sofreram danos. Os danos são estimados em cerca de 2000 milhões de dólares. Mas ainda assim o Hamas clamou vitória, reclamando a morte de 80 soldados (Israel diz que matou mais de 500 membros do Hamas). "O nosso arsenal de rockets não foi afectado e continuámos a dispará-los durante a guerra sem interrupções. Ainda somos capazes de os lançar e, graças a Deus, os nossos rockets vão atingir outros alvos" em Israel.
Corpos sob os escombros
Sob os escombros, ainda se iam recuperando cadáveres. "Tirámos 15 corpos de crianças e mulheres sob os escombros das casas", conta Adeb Charafi, que trabalha nos serviços de emergência, à AFP. "Estavam num tal estado de decomposição que não se distinguia um rapaz de uma rapariga."No domingo, em apenas algumas horas, os trabalhadores das emergências retiraram 95 corpos de escombros de casas destruídas, a maioria dos campos de refugiados de Jabaliya e Beit Lahiya, e também do bairro de Zeitoun na Cidade de Gaza.As descrições comparavam o local a um sítio onde tivesse havido um terramoto, com trabalhadores a tentar consertar cabos de electricidade e postes desenterrados.
Muitas pessoas ainda não tinham água nem electricidade. E muitas outras continuavam no hospital.
A BBC descreve a história de Amira al-Girim, uma adolescente de 15 anos, que está no hospital com a perna partida. Foi encontrada sozinha, quatro dias depois de ter visto o pai morrer e os irmãos desaparecerem - foram mortos, provavelmente num ataque aéreo - quando foram tentar buscar ajuda. A família que ficou achou que também ela tinha morrido - tinham mesmo chegado a enterrar pedaços de carne que acharam ser dela.O médico que a tratou achou que ela viveria apenas algumas horas mais. Amira vai recuperando, mas os médicos avisam: "Ela vai precisar de tratamento para sempre."
No mesmo hospital, um homem espera para saber se a sua perna vai ter de ser amputada ou se consegue sobreviver às queimaduras. A preocupação de Fared al-Bayar são os seus seis filhos. "Quem os vai alimentar?", pergunta ao repórter da BBC. Bayar foi ferido quando se tinha refugiado no quartel-general da ONU, num ataque em que a agência diz ter sido usado fósforo branco. O seu bairro, imagina ele, deve estar destruído. "Quando deixei a minha casa estava tudo bem, mas não sei o que aconteceu. Até agora, todas as casas dos meus vizinhos foram destruídas", diz. "Não tenho para onde ir quando sair do hospital. Talvez erga uma tenda."
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