segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Notas sobre as eleições de ontem no Japão

A vitória esmagadora do Partido Democrático do Japão, de Yukio Hatoyama, nas eleições de ontem reflectem uma forte vontade de mudança em relação às políticas conservadoras que foram realizadas durante meio século pelo Partido Liberal que vê a sua representação na Câmara dos Representantes cair para cerca de 1/3 dos deputados.
Ao fim do dia de ontem, os adeptos do Partido Democrático gritavam Banzai!, para sublinhar a possibilidade de uma viragem política.

As sondagens à boca das urnas revelaram que os derrotados, anteriores aliados, tiveram

Partido Liberal Democrático 119
Partido Novo Komeito 21

Na oposição os lugares obtidos foram

Partido Democrático 308
Partido Social-Democrata 7
Novo Partido do Povo 3
Partido Comunista 9

O PSD e o NPP estão aliados ao Partido Democrático. As negociações já a decorrer entre os três destinam-se a garantir a maioria de dois terços que permita ao PDJ introduzir importantes alterações legislativas.

Atendendo à intensificação das políticas marcadamente liberais que conduziram a muito maiores desigualdades sociais, desemprego e pobreza, este era um resultado já esperado.
O PLD, promoveu uma prosperidade renovada depois da humilhação da derrota e da ocupação militar americana, mas levou também o Japão a ser um dos mais firmes aliados dos EUA na guerra-fria.
Nos anos noventa o chamado milagre económico, que colocou de novo o Japão na linha das grandes potências, afundou-se na deflação. O LPD sobreviveu usando os fundos públicos e uma mais poupança privada para investir em obras públicas, que lhe permitiu manter algum apoio entre os sectores sociais que delas mais directamente beneficiaram. Mas esses investimentos não tiveram retorno e o Japão ficou perigosamente dependente das suas exportações. O desemprego está em 5,7% e a deflação fez cair os preços 2,2% em relação ao ano anterior.

As classes dominantes dão corpo a um modelo económico que, ao nível das relações laborais, e seguido o raciocínio de Eneida Ota Shiroma “procura compatibilizar alta qualificação
com aumento do controle sobre a mão-de-obra na medida em que atrela a qualificação à avaliação do funcionário em todas as instâncias das políticas de gestão - recrutamento, formação, promoção, salários, beneficios.
Desta forma, resolve a aparente contradição entre aumentar
a qualificação da força de trabalho e assegurar o controle sobre
eleporque, apesar de uma menor divisão do trabalho e redução dos níveis hierárquicos, o modelo japonês não aproxima, não une os trabalhadores, mas cria uma maior segmentação da força de trabalho entre efetivos e temporários, homens e mulheres, empregados de grandes e pequenas empresas, etc.
A administração japonesa encontra, então, na fusão das actividades de concepção e execução, a oportunidade de optimizar a produção de valores de uso e da mais-valia, incorporando o reconhecimento tácito dos operários para elevar a produtividade. Nesta
perspectiva, não podemos concordar com a tese de que a adopção destas formas alternativas ao taylorismo, como é o caso do modelo japonês, indique o fim do capitalismo como previa Braverman, representando pelo contrário, uma sofisticação dos meios utilizados para atingir os seus objectivos” (1)
Até 1989, as duas mais importantes centrais sindicais eram, a maior, a Domei, afecta ao PSD e abrangendo as grandes empresas, com alguma actividade sindical, e a outra, a Sohyo, afecta à esquerda, respeitava a pequenas e médias empresas onde existe uma repressão anti-sindical severa. Hoje estão fundidas numa só confederação, a Rengo.
Os sindicatos são de empresa, proliferam e aderem individualmente à confederação e há muito não têm uma intervenção de conotações mais políticas, se bem que se identifiquem com posições sociais-democratas e de esquerda.
O PLD falhou na melhoria das condições de vida da população. E ao mesmo tempo que as pensões se degradavam, o pessoal político transitava dos lugares de governo para os lugares de administração de empresas que anteriormente tutelavam. Com belíssimas remunerações (como cá...).
Sem experiência de governo e com a administração pública durante mais de meio século nas mãos de “mandarins” do PLD, os vencedores das eleições de ontem irão fazer, provavelmente, um compromisso com eles para não terem a governação boicotada.
Caso o resultado das sondagens à boca das urnas se confirme, o PDJ, que já conquistou a maioria na Câmara Baixa graças à aliança com dois partidos já referiodos da oposição, exercerá um controle absoluto sobre o Parlamento, e fica com as mãos livres para realizar as suas intenções onde avultam medidas sociais significativas e uma maior independência em relação aos EUA para se virar mais para a sua projecção regional no quadro da cooperação entre muitos países da Ásia que configura um dos pólos de crescimento a que o Japão aspira face à gravidade da recessão - a maior desde a segunda guerra mundial.
A entrada desses dois partidos aliados para o governo (um social democrata e outro de direita) tornará imprevisível a coesão do governo a sair das negociações que o PDJ já iniciou, sendo que o PDJ já alberga em si diversidades políticas. Apesar da derrota eleitoral do PLD, e face à gravidade da situação com o que o novo governo se vai defrontar e atendendo, ainda, a que não parecem existir nem no seu seio nem na sociedade, em termos significativos, forças para uma mudança real de política, o sistema político japonês arrisca a ser dominado pelo bipartidarismo do PDJ e do PDL.

(1) “O modelo japonês e o debate sobre a qualificação e controlo da força de trabalho”, Tóquio, 1992.

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