quarta-feira, 25 de março de 2009

Sobre os acontecimentos em Madagáscar (2)

À medida que os dias passam os apoiantes do presidente deposto manifestam-se nas ruas, aumenta a pressão internacional para uma rápida "normalização democrática" da situação, isto é, para que com a mudança tudo fique na mesma...

A população em revolta nos últimos meses, massacrada com centenas de mortes perpretadas pelo exército a soldo do presidente deposto arrisca a que o crédito de Andry Rajoelina, que assumiu a condução desse movimento, se perca se não começarem as medidas que conduzam à melhoria das condições de vida dos malgaches.

Rajoelina não tem um perfil profissional e político diferente do presidente deposto. Ambos homens de negócios jovens, formados na escola do neo-liberalismo, acederam ao poder cavalgando o descontentamento popular que cìclicamente foi afogado em sangue e deu origem a golpes cíclicos. Em Madagáscar, até prova em contrário, que o nosso conhecimento não tenha alcançado, a esquerda que poderia ser portadora de um projecto de mudança com fundamentos na questão agrária e na utilização do petróleo de produção promissora dos próximos anos para programas sociais que, por sua vez gerassem, o desenvolvimento agrário e industrial de bens essenciais, entregou-se ao neo-liberalismo. É o caso do MFM que de "partido proletário" se tornou em movimento que acabou por lhe fazer perder todos os deputados que tinha no Parlamento...Os oponentes tradicionais estão a aproximar-se das teses da rápida "democratização" e não contribuem para a criação de uma plataforma política mais consequente. Os militares fartaram-se de ser repetidamente usados para reprimir o povo e parecem estar firmemente disponíveis a uma mudança de rumo.

Os interesses em jogo são, como referimos na primeira parte deste artigo a produção agrícola a ser dominada por uma multinacional, e também o petróleo, onde a multinacional francesa Total se posiciona para o efeito como noutros países africanos como o Gabão ou o Chad em que o petróleo não há maneira de ser utilizado em programas sociais antes produz lucros para as multinacionais e umas recompensas para os grupos dirigentes.
Por detrás de Marc Ravalomanana sentem-se as influências de interesses anglo-saxónicos e do protestantismo. Por detrás de Andry Rajoelina são evidentes os interesses da França e dos meios católicos. Falar de uma motivação religiosa não tem, para já, qualquer fundamento mesmo que a África esteja a ser objecto atento do Vaticano para uma nova evangelização, jogando a expansão do catolicismo no aproveitar da crítica anti-corrupção realmente existente em vários países africanos e onde os níveis de vida de camadas dirigentes contrastam de forma gritante com a da maioria das populações.

Depois de eleito em 2002, Ravalomanana foi reeleito em 2006 e, apoiado no seu partido - Tim - entregou-se a "reformas estruturais", a privatizações que conduziram à pauperização maior dos trabalhadores, a grande maioria dos 20 milhões de habitantes da ilha. Rapidamente misturou os seus interesses pessoais e do Estado e, tal como já aludimos na primeira parte deste artigo, passou a beneficiar pessoalmente e através das suas empresas (o império Tikoland e empresas como a MAGRO).

Apesar de um crescimento de 6% em 2007, a população vive, em média, com menos de 1 dólar por dia e mais de 59% sofre de má-nutrição crónica (percentagem que tem aumentado nos meios urbanos). Depois da compra de um avião presidencial de 60 milhões de dólares e da concessão à Daewood, como referimos na primeira parte, de mais de metade do solo arável, da liberalização dos serviços sociais básicos que afastaram muita gente do seu usufruto por não ter dinheiro, o aumento anterior do preço do petróleo e dos bens essenciais, a redução da actividade nos portos francos, que geravam muito emprego, na sequência do Acordo Multifibras, a revolta, mesmo sem fortes organizações políticas e sindicais enquadradoras, estalou. A revolta passou a ser perseguida e o regime adquiriu todos os tiques ditatoriais.

Resta saber se, neste contexto, Rajoelina, o novo grupo dirigente, as forças armadas e a população, conseguirão criar uma dinâmica revolucionária, com um programa político que vá ao encontro das necessidades da população e que crie estruturas políticas e sociais que se constituam, como apoios a este processo. Ou se se vão deixar atascar em compromissos políticos com os responsáveis anteriores da situação, serem meros peões de interesses de potências e multinacionais, criando um novo ciclo de descrédito e novos padecimentos para os malgaches.
Madagáscar ganhou a sua independência em l960 apesar da violência contra a rebelião por parte da França, a potência colonial. Em 1972 um golpe militar com sinal de esquerda propunha-se aprofundar as consequências políticas, económicas e sociais da independência mas este estado de coisas acabou por cair num novo golpe de estado conservador que dirigiu ditatorialmente o país durante 17 anos. A França nunca perdeu influência importante no país.

1 comentário:

samuel disse...

Fez mais este texto pelo esclarecimento do que ali se passa, do que quase todas as notícias que têm passado pelos jornais.