sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Como vivi as "eleições" de 1969

A oportunidade de recuperar memória histórica e a reflexão feita na altura e posteriormente sobre o ano de 1969 e, particularmente, o período “eleitoral” ocorrido durante vários meses, tem a ver com a passagem de 40 anos sobre esse importante período político e as mossas que fez no regime fascista, que fingiu uma “liberalização”. Perdoem-me, antes do mais a extensão do depoimento. E já agora as gralhas que ao longo de duas versões não consegui eliminar.


1. Onde estava no dia 26 de Outubro de 1969, dia das “eleições”?

Na sede da CDE em Lisboa, depois de nos dias anteriores ter andado a distribuir por muitos lados (caixas de correio, empresas e organismos do Estado), as listas e boletins de voto da candidatura da CDE, para que quem fosse votar pudesse contar com outros suportes além dos da Acção Nacional Popular (ex-União Nacional).

Foi um dia longo, com notícias de irregularidades diversas. Eu estava integrado numa comissão de jovens activistas da CDE que faziam de tudo um pouco. A noite terminou com os resultados eleitorais esperados e com vivas a vários deles em que a CDE, apesar da grande chapelada, tivera resultados significativos, particularmente nas cinturas industriais de Lisboa e Setúbal. Porque, apesar de se saber que estávamos numa fraude, tinham-se gerado entusiasmos. Mas, peguemos nas questões por outra ponta.

2. 1969: um ano cheio, a começar no IST mas com outras facetas
Estava a tirar o 3º ano do curso de Engenharia Industrial no IST, de que era delegado de curso eleito pelos meus colegas. Estava envolvido no trabalho da direcção da Associação de Estudantes do IST, presidida por Mariano Gago, e de que fui vice-presidente. Os anos de 68 e 69 foram de grandes lutas também no IST.

Namorava e dava aulas para custear as minhas despesas. Andava a frequentar o campismo com outros colegas meus, parte dos quais também estavam na CDE, a convite do saudoso camarada Joaquim Campino, então presidente da FPCCC.

Depois deste período, o Vieira Lopes (hoje na Confederação do Comércio) convidou-me a integrar uma lista para a AEIST, como forma de me defender um pouco mais da PIDE/DGS. É um registo que guardo do trabalho com outros, esquerdistas, que travavam um combate comum mas também contra a nossa influência, que se viria a alargar no IST dois anos depois até ao 25 de Abril.
Depois de um período de quatro anos, a ausência de contactos com o PCP desde 1965, fizera-me aproximar de alguns esquerdistas de diversas formações, por neles reconhecer, à data, lutadores convictos com quem me identificava na acção e, por vezes, também nas ideias. Entretanto em 69 saiu da cadeia o saudoso José Bernardino, que me (re) recrutou e me pôs em contacto com a estrutura clandestina do Partido. O Zé saíra do IST para a clandestinidade. Saiu da cadeia para prosseguir o curso de engenharia. Enquanto esteve no IST o Bernardino teve apoio nos estudos por parte do Danilo de Matos, irmão do Arnaldo, com quem então convivi, antes de se tornar no “grande educador da classe operária”. O Bernardino, é claro, voltou à clandestinidade. A passagem temporária pela vida normal dos camaradas que tinham estado presos quando estavam clandestinos, era, em geral, seguida do regresso à clandestinidade.
O meu primeiro “controleiro” foi o escritor Mário de Carvalho, então estudante da Faculdade de Direito de Lisboa.

3. CDE, CEUD e a unidade democrática

Foi neste ambiente que também colaborei na CDE, como activista de base, depois da fase do recenseamento em que a oposição reclamou de inúmeras irregularidades. O meu irmão Luís tinha muito trabalho lá, ligado ao sector editorial, quer ao sector criativo com Ary dos Santos, Adriano Correia de Oliveira e outros ligados à Espiral, mas não só, e ao sector da reprodução com o Ladislau Gouveia.

Aí, contrariando à leitura oportunista que Mário Soares e a Acção Socialista (AS) faziam da “primavera” marcelista, e presos a concepções ultrapassadas de funcionamento organizativo da oposição, a situação desta mudava.
Por força da luta dos trabalhadores e da luta estudantil bem como de um renovado activismo de sectores católicos e correntes socialistas independentes à esquerda da AS, se reforçou uma unidade combativa mais consequente, apesar de algum debate interno com um sector que viria a originar o MES (Jorge Sampaio, Vítor Wengorovius e outros companheiros, que, por sua vez, tinham averbado uma experiência política importante no movimento estudantil e como advogados de presos políticos e de estudantes perseguidos, como também aconteceu comigo).
A opção de ida às urnas, com a chapelada generalizada e a desproporção de meios técnicos e logísticos em relação à União Nacional, permitiu esclarecer aqueles que tinham dúvidas sobre Marcelo, alguns dos quais quase estavam a querer transformar as oposição num tampão sobre o movimento de resistência antifascista em benefício do ditador que, supostamente, precisaria de uma “ajudinha” para vencer os “ultras”…
Não foi essa a primeira vez em que alguns defenderam que fosse legalizada uma oposição sem os comunistas. A seguir ao 25 de Abril de 1974, alguns também se dispunham a isso, ombreando com Spínola…

A opção da Acção Socialista por candidaturas suas, com a sigla CEUD, acabou por vingar em alguns distritos sem qualquer tipo de êxito relativo. Em Lisboa, por exemplo, a CEUD teve 4% e a CDE 15%.

Não me detenho, agora mais sobre esta questão. O José Manuel Tengarrinha, em entrevista que deu à Seara Nova em 2005 desenvolve os aspectos políticos mais relevantes.
Também é obrigatório consultar o dirigente do PCP que à data, tinha contactos com ele e que continua entre nós - Pedro Ramos de Almeida.

4. A repressão da “liberalização” no decurso deste período político

Não se pode avaliar a atitude de Marcelo como “liberalizante” por ter feito regressar Mário Soares do seu exílio de 4 estrelas em S. Tomé. Para conferir, por intermédio de contactos que manteve com quadros superiores do regime, maior consistência à farsa, e aceitando uma legalização da Acção Socialista em detrimento dos comunistas e outras correntes de opinião que tinham a maior influência na oposição.
Quem ainda hoje teoriza que Marcelo queria uma liberalização e estava convicto dessa necessidade em articulação com alguns grandes capitalistas que se queriam “libertar” do corporativismo, dos condicionamentos económicos, mantem uma ficção de baixa qualidade não sustentada - não nos desabafos ou iniciativas sem resultados mas da apreciação dos acontecimentos imediatamente posteriores.
Esta atitude de cooperação com a “primavera marcelista” de Soares e da AS não resultou da evolução própria do seu pensamento político. Muita gente na altura alimentava grandes expectativas de alguma “descompressão” mas não a aproveitava para percorrer ambições pessoais. Outros, que acabariam por vir para a oposição, emprestaram alguma cientificidade à abertura à investigação social de faculdades e outros organismos, ou participaram mesmo na Câmara Corporativa e organismos anexos.

Muitas prisões de militantes comunistas e de outras correntes políticas de idade mais recente, trabalhadores estudantes de um ano que foi de todas as lutas estudantis de norte a sul, não só com epicentro em Coimbra e com alguma influência do Maio de 68, dois assassinatos, de Ribeiro Santos, do MRPP e de Daniel, estudante português de Teologia da Universidade de Lovaina, a introdução de uma nova polícia de choque tipo anti motim e dos gorilas nas faculdades, foram questões que tiveram grande impacto nesse ano e que ajudaram a isolar o regime fascista que estava a ter dificuldades crescentes com a guerra colonial.
Permitam que refira um episódio comigo passado.
No 5 de Outubro deste ano, para além da romagem ao cemitério do Alto de S. João, onde também houvera pancada séria, realizou-se uma outra na estátua de António José de Almeida, nas traseiras do IST. Muita gente. A polícia de choque do Maltez Soares (oficial do exército feroz, com ligações a contrabandistas e a negócios de proxenetismo na Madeira e menino querido de Marcelo Caetano) formava fileiras com metralhadoras. Outros agentes da PSP mais convencionais integravam o grupo repressivo. O Maltez trazia o seu capacete com viseira ,que foi utilizando em múltiplas ocasiões até ao 25 de Abril. Cantou-se o hino nacional. A polícia carregou e espancou muitos dos presentes. Um dos mais atingidos foi Vasco da Gama Fernandes, um socialista de fibra que nestas alturas não ficava atrás dos outros. O meu irmão Luís agarrou-o. Ao meu pai partiram o braço com a coronha de uma metralhadora. Um grupo de jovens, em que me incluía, decidiu responder e atirou-se a um PSP pouco blindado. O homem apanhou, ficou sem a arma, o cassetete e o boné.
O Maltez espumava no estribo do nívea (ou carocha) da PSP, como gostava de fazer. Concentrou-se em mim (já a Clara Pinto Correia um dia escreveu que nestas confusões ela e outros estudantes me procuravam pela estatura…) “Agarrem aquele!”. Fui preso e logo ali espancado e enfiado dentro do nívea onde continuei a apanhar. O meu pai e o meu irmão enfiaram-se num carro e vieram atrás de mim mas, em frente ao liceu Filipa de Lencastre, um grupo de polícias de choque cortou-lhes o caminho e prendeu-os. Fui levado para a esquadra do Arco Cego onde entrei aos empurrões. Aí fui espancado durante algum tempo por uma meia dúzia de polícias de choque. Tive um ligeiro desmaio, recuperei e continuaram. Estive uns minutos sem ver. O sangue escorria. Fiquei cheio de nódoas negras e a cuspir sangue no resto do dia. Entretanto chegavam outros presos, os meus familiares, o Frederico Carvalho, a Eugénia Varela Gomes.
A concentração das atenções do Maltez em mim ficou a dever-se à necessidade de escolherem quem fosse responsabilizado pela cena do polícia desarmado. Mas de arma não falavam talvez para não pôr em cheque o agente que se vira privado das suas “razões”.
Não ficaram por aí. Eu e os outros fomos levados para os calaboiços do governo civil e daí só eu fui levado a interrogatório na sala do comando. Conduzido pelo então subchefe Manteigas e por outra besta. Ligações ao Partido, quem me recrutou, onde pusera os haveres do agente, etc., foram os motes. Como não respondia, espancavam-me a murro e a pontapé intervaladamente com novas tentativas para me porem a falar. Como não levaram nada, lá fizeram um auto de declarações, depois de lhes ter dito que só prestaria algumas declarações na presença do meu advogado, Dr. Vasconcelos de Abreu (que nesse ano era candidato e depois do 25 de Abril foi vereador da CML pelo CDS…). Como não meteram esta referência no auto, não assinei. Aí levei novamente, a sério. Voltei aos calabouços de rastos com o meu pai aos gritos.
Os candidatos da CDE tinham-se posto em campo para exigir a nossa libertação, que conseguiram. Ao sairmos, lá estavam o Tengarrinha, o Pereira de Moura e o Lindley Cintra e outros companheiros. Ah!, o sabor da solidariedade e da camaradagem...
Este foi um episódio. Mas 1969 está cheio, como disse, de muitos outros que envolveram tanta gente. O arrepio das concepções e interesses pessoais de Mário Soares que os socialistas fizeram de 1969 a 1973 resulta destes factos e de um efectivo envolvimento de muitos socialistas nas causas da oposição democrática.

4. Do movimento estudantil para a CDE. Duas sedes e muito movimento…

Foi neste ambiente que também colaborei na CDE, como activista de base e sem puxar os pergaminhos de dirigente estudanil. Como referi atrás, meu irmão Luís tinha muito trabalho lá, ligado ao sectorial editorial, quer ao sector criativo com Ary dos Santos e outros ligados à Espiral (mas não só) quer à reprodução com o Ladislau Gouveia, irmão do saudoso José Gouveia, que integrava a lista de candidatos da CDE por Loures.
Antes estivera na pequena sede da rua do Calado, ali à Penha de França (ver foto publicada na imprensa de então). A sede era pequena para suportar tanta actividade. Muita gente lá entrava que nunca estivera ligado à oposição semi-legal.
Dali, passamos a contar também com a sede do Campo Pequeno, ligada a uma vila que ainda existia há poucos anos, depois da sede ter sido destruída e dado lugar a escritórios. Era uma vivenda, com boas condições de trabalho. Dois pisos, um recuado para aparelho técnico que, por estar exposto (a PIDE fez várias investidas) levou a optar por várias outras tipografias. Lembro-me, por exemplo, da Gestetner perto da Av. do Brasil, e de outras em Alfama, na Rua do Alecrim e ainda outra no Bairro Alto. Mas também se recorria a escritórios de advogados do movimento para processar os stenceis electrónicos (Lopes de Almeida, Jorge Sampaio, Henrique Vareda, Vasconcelos Abreu, entre outros).
O ambiente na sede do Campo Pequeno também fervilhava de trabalho, de entradas e saídas, de múltiplas reuniões, de propaganda onde se notava as mãos de Ary dos Santos e de outros bons publicitários militantes (ver aqui alguns dos cartazes).

De Ary recordo nesse período de uma cena curiosa relacionada com o seu estilo muito próprio. Nos jardins do Campo Pequeno, a caminho da cervejaria, então existente na outra esquina do Campo Pequeno com a Av. da República, onde acabávamos as noitadas de trabalho, a zona estava recheada de pides e o Ary passou por um grupo de três e agachou-se como se estivesse a dar milho às galinhas (“pides, pides, pides…” dizia ele e gozávamos todos…).

A sede teve uma segurança nocturna a partir do momento em que a PIDE e legionários a quiseram vandalizar. Eram trabalhadores da Sorefame, da Carris, da CP, que me lembre. E também muitos jovens, estudantes e trabalhadores. O Nicolau Breyner, com um corpinho que metia respeito, fazia a ronda com dois enormes cães (também ele já foi candidato do CDS...). Para vencer o sono, cantava-se. Por lá passaram nessas noites o Adriano Correia de Oliveira, o José Manuel Osório, o Lopes de Almeida, bom advogado e bom guitarra, o Rui Mingas.

5. Ary dos Santos e o SARL
Do muito que gostaria de contar, meto mais esta.
Os comícios e sessões da CDE eram acompanhados pela polícia que impunha a sua presença. E acabavam mal com esta a intervir por os oradores não se cingirem ao que eles aceitavam. A guerra colonial, como o Tengarrinha refere, vinha no final das sessões pela sua própria boca e...as sessões acabavam.... Mas às vezes...
No Teatro Vasco Santana a sala está repleta. Candidatos na mesa serão os oradores. Mas eis que Ary avança com o seu conhecido poema "SARL". Di-lo, como calculamos. a subir da sua baixa estatura à estatura de um gigante. O Maltez Soares manda encerrar a sessão. O Ary sai do palco, dirige-se a ele e continua a dizer o poema em voz alta porque o som tinha sido cortado. O Maltez recua e grita "Se não saem, atiro para aí uma granada!...". Acabou por atirar a polícia de choque contra as pessoas à saída.

6. Uma oposição em mudança

Alguns teorizadores, que não viveram estes acontecimentos, e que se alimentam de opiniões de terceiros seleccionados a dedo e expurgados de alguma simpatia comunista, inventaram que algumas mudanças de cariz democrático no seio do próprio movimento CDE se teriam devido a correntes recém-chegadas à unidade democrática, contrariando a tutela comunista.... Isso não corresponde minimamente à verdade, com todo o respeito por estes últimos, importantes companheiros de uma luta comum e que contribuíram para recompor a diversidade política, tanto mais importante quanto Mário Soares decidira sair com a AS em importantes distritos.

O José Manuel Tengarrinha aborda também esta questão na citada entrevista. Relembrarei que, até então, um elemento que afectava a democracia interna do movimento. A questão da relação entre personalidades dirigentes e as bases do movimento.
Em 1969 esta questão, por iniciativa dos comunistas, começa a resolver-se através da criação da estrutura do movimento: comissões de freguesia, concelhias e distritais, comissões socioprofissionais por sectores de actividade e por grandes empresas. Por amplas discussões nas bases de ideias e documentos da estrutura dirigente que, também por isso, recolhe outra admiração e apoio. As guinadas ao nível dirigente passaram a carecer de compreensão e aceitação das bases.
Personalidades como Pereira de Moura, Tengarrinha ou Lindley Cintra inserem o seu reconhecido prestígio num trabalho que é colectivo e não lhes caem os parentes na lama... Personalidades como Mário Soares não tinham formação cultural e política para reproduzirem esta relação dialéctica. Mesmo quando Soares, muitos anos antes, representou o movimento juvenil na comissão central do MUD e criticou algumas das limitações desta, o que esteve em causa não foi essa relação dialéctica com o movimento, que não exercitou, mas a ambição pessoal de vir a ser um dia o grande dirigente da oposição.
Mário Soares não tinha qualidades nem estrutura intelectual para isso e falhou. Acabou por cumprir outros papéis.

Depois de 69, quase imediatamente e até o novo período "eleitoral" de 1973, as ilusões com Marcelo deixaram de ter peso significativo e durante esses quatro anos forjou-se no plano legal, semi-legal e clandestino essa nova forma de conceber o movimento de oposição: da base ao topo. Com grande representatividade regional e profissional, com uma representação de diferentes formas de expressão profissional, combinada com uma representação equilibrada de diferentes sensibilidades políticas que representavam formas de intervenção próprias. Nesses quatro anos deram-se saltos qualitativos notáveis: dos trabalhadores, criação da Intersindical, lutas estudantis e de variados meios culturais, no combate à guerra colonial. Na solidariedade com os presos políticos e com os movimentos de libertação e a criação do movimento democrático de mulheres. A criação do movimento dos capitães... Ao contrário do que alguns ousaram teorizar depois da revolução, esta não caiu do céu aos trambolhões...

Frase de fim-de-semana, por Jorge





"a preocupação maior tem sido afastar os cidadãos de intervirem no seu funcionamento".(a propósito da construção da Europa)



V.Magalhães Godinho
(in JL 23/10/2009)

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Melhor crer do que lêr?, de Vasco Graça Moura, hoje no DN

Com a devida vénia ao autor e ao jornal, transcrevo o que hoje publicaram, que reflecte a independência de pensamento e desassombro do poeta.


"Há um bom par de anos, escrevi num artigo intitulado "Contra Deus" (Egoísta, Outubro de 2001) que "o Jeová da Bíblia é um ser caprichoso e muitas vezes iniquamente absurdo. O Deus dos Católicos (já agora, e por razões óbvias, é-me mais difícil falar do austero Deus dos protestantes…) é um ser em que o princípio da crueldade é transferido para a paixão de Cristo e que, no que respeita ao sem sentido do sofrimento do mundo, transpõe para uma dimensão escatológica a correcção de todas as injustiças e a abolição desse sofrimento. Em minha opinião, é preciso realmente ter muita fé para se acreditar e para se esperar que seja assim. Sem contar que se trata, no ensinamento eclesial ao longo de séculos e séculos, de um ser castrador e profundamente misógino, obstinado contra o que em nome dele se estigmatizava como 'pecado da carne', e redutor da filosofia (e portanto do próprio pensamento) à condição de serva da teologia (philosophia ancilla theologiae). A cultura, que para os Gregos era antropocêntrica, tende a tornar-se teocêntrica e cristocêntrica a partir dos primórdios do Cristianismo.A lógica passou a ser substituída pela aceitação passiva dos chamados mistérios da fé. Deus, e não o homem, passa a ser a medida dogmática de todas as coisas. O Cristianismo instaurou uma cultura do arrependimento, na expectativa da misericórdia de um Deus cujos desígnios são imprescrutáveis."O Deus do Velho Testamento é um ser intolerante, insatisfeito e vingativo. A terribilità da voz dos profetas tem qualquer coisa de deriva totalitária, existindo para o anúncio reiterado da catástrofe, se à rigidez da norma divina não for sacrificado, sem dó nem piedade, tudo e mais alguma coisa. A Bíblia é um texto compósito, de múltipla autoria, com passagens que podem ser extremamente interessantes e outras que são uma maçada insuportável, e também só um crente muito crente é que pode pretender ver no texto uma unidade que a Bíblia não tem e dar tantas voltas ao torno da interpretação que acabe por ler nela o que ela não diz. A esta minha opinião pode, evidentemente, ser contraposta qualquer outra. Por isso mesmo é que há liberdade de pensamento e de expressão. O que me espanta é que nenhum dos que saltaram a protestar indignados contra Saramago se sinta chocado com a adesão irreflectida e infundamentada da maioria dos crentes à sua própria crença, muito embora o credo quia absurdum não seja propriamente um paradigma idóneo de lógica formal ou comportamental. De resto, a Igreja Católica, receosa das iniciativas heterodoxas de interpretação dos textos sagrados e cedo feroz repressora da tolerância erasmiana, procurou evitar que a generalidade dos crentes lesse a Bíblia. Para quem duvide, aqui fica este extracto do Catalogo dos livros que se prohibem nestes Regnos & Senhorios de Portugal, de 1581: "Quanto às trasladações do testamento velho, somente se poderão conceder aos varões doctos & pios, por parecer do Bispo, com condição de que se use delas como de declarações da trasladação Vulgata, & não como texto sagrado. Mas as trasladações do testamento novo, feitas por Autores de primeira classe deste catálogo [i. e., constantes do Index], a ninguém se concedam: porque sói da tal ligação resultar aos Lectores pouco proveito, & muito perigo."É por isso que num Portugal de matriz católica há pouca tradição de leitura directa dos textos bíblicos, que não foram interiorizados pelas consciências como na Europa luterana. Os clérigos reservaram-se o exclusivo das quatro modalidades da interpretação dos textos sagrados, histórica, alegórica, tropológica e anagógica, de modo a que o sentido literal pudesse ser ultrapassado, ou mesmo escamoteado em sede figurada ou mística, sem dificuldades de maior. O comum dos mortais não precisava de se preocupar muito com os textos, apesar de, muito antes, Gregório Magno e depois Isidoro de Sevilha terem insistido na importância da lectio divina (sobre a qual, e no tocante à Alta Idade Média, José Mattoso escreveu páginas interessantíssimas). No entanto, para o autor das Etimologias: melius est orare quam legere… Será? "

domingo, 25 de outubro de 2009

Cartoon de Monginho

in Avante!

O fosso entre ricos e pobres aumenta em Portugal


Na lista dos países com maior fosso entre ricos e pobres Portugal vem em 5º lugar. A classificação é feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Do ponto de vista da desigualdade só Hong Kong (1º), Singapura (2º), EUA (3º) e Israel (4º) estão em situação pior do que Portugal. O coeficiente de Gini que o PNUD atribuiu a Portugal foi de 38,5 (numa escala em que zero representa a igualdade absoluta e 100 a desigualdade absoluta). O PNUD afirma que os 10% mais pobres da população portuguêsa detêm apenas 2% do rendimento nacional, ao passo que os 10% mais ricos detêm 29,8% do mesmo. A notícia está em Yahoo Finance.
Pelo seu lado, Eugénio Rosa confirmou esta constatação através de um estudo publicado no resistir.info, de que transcrevemos apenas o resumo.

“As desigualdades e a exploração aumentaram muito em Portugal nos últimos anos. Mostrar isso, utilizando apenas dados oficiais, é o objectivo deste estudo. Desta forma procura-se contribuir para chamar a atenção para uma realidade preocupante que não poderá ser nem ignorada nem esquecida pelo governo "Sócrates 2". De acordo com dados do Banco de Portugal, do INE e do Eurostat a percentagem que as remunerações, quer incluindo as contribuições sociais quer sem contribuições sociais, representam da riqueza criada, ou seja, do PIB diminuiu muito após o 25 de Abril. Assim, em 1975, ano em que a situação foi mais favorável para os trabalhadores, as remunerações "liquidas", ou seja, sem contribuições sociais mas antes do pagamento do IRS, representaram 59% do PIB, enquanto este ano (2009) prevê-se que representem apenas 34,1% do PIB, ou seja, menos 42,2% do que a percentagem de 1975 (em pontos percentuais, menos 24,9 pontos). Se os trabalhadores recebessem em 2009 um valor correspondente à mesma percentagem do PIB que receberam em 1975, receberiam em 2009 mais 40.860 milhões de euros de salários (Quadro I). Este valor dá uma ideia clara das consequências para os trabalhadores do agravamento da desigualdade na repartição da riqueza criada anualmente que se verificou depois de 1975.

Numa sociedade capitalista como é a nossa, o grau de exploração dos trabalhadores é medido pela taxa de mais valia ou taxa de exploração. As estatísticas em Portugal assim como as União Europeia não são elaboradas de molde a se poder calcular com precisão a taxa de mais valia, pois isso poria em causa o próprio sistema capitalista.
No entanto mesmo com as limitações existentes pode-se utilizar os dados oficiais para calcular uma taxa que dá uma ideia clara do aumento da exploração em Portugal nos últimos anos. E o valor que se obtém para essa taxa é de 46,3% em 1975 e de 100,6% em 2009. Portanto, a dimensão da exploração dos trabalhadores em Portugal mais que duplicou entre 1975 e 2009. De acordo com um estudo recente divulgado pela OCDE, Portugal é um dos países onde é maior a desigualdade na distribuição do rendimento. É precisamente no nosso País onde o coeficiente de Gini, que mede a desigualdade, é mais elevado (0,385). A média nos países da OCDE é de 0,311 (Gráfico I). Depois de Portugal, na OCDE apenas existem dois países: Turquia e México.

A pobreza está também a atingir milhares de trabalhadores com emprego devido aos baixos salários que auferem. No fim de 2008, 139,5 mil trabalhadores por conta de outrem recebiam um salário liquido médio mensal inferior a 310 euros por mês, e os que recebiam salários até 600 euros correspondiam a 40,9% do total de trabalhadores por conta de outrem (Quadro II). Uma camada numerosa da população muito afectada pela desigualdade na repartição do rendimento são os reformados. Em Julho de 2009, a pensão média de velhice de 1.843.375 reformados era apenas de 384,72 euros por mês, e 981.181 mulheres recebiam da Segurança Social uma pensão média de velhice ainda mais baixa (292,10 euros), portanto um valor muito inferior ao limiar pobreza (354,28€/mês-14 meses). Em relação aos reformados por invalidez a situação é ainda mais grave. A pensão media dos 300.173 pensionistas por invalidez paga pela Segurança Social era, em Julho de 2009, de apenas 321,25 euros. E o valor das pensões auferidas pelas mulheres (em média 281,10€ por mês) correspondia apenas a 77,8% das do homem. Mas existem distritos em que as percentagens são ainda inferiores, como sucede com Lisboa (69,4%) e Setúbal (64,4%) – (Quadros III e IV). Se a análise for feita por escalões de pensões conclui-se que 79% dos pensionistas de velhice e de invalidez recebem uma pensão inferior a 407 euros (Quadro V) Alterar a profunda desigualdade que existe na distribuição do rendimento e da riqueza em Portugal é uma obrigação do próximo governo. E isto até porque a desigualdade existente é uma das causas da fragilidade actual do tecido social e económico do país, e do atraso de Portugal. E como refere a própria OCDE, "a única forma sustentável de reduzir a desigualdade é travar o desfasamento de salários e rendimentos de capital que lhe está subjacente" (Crescimento Desigual? Distribuição do Rendimento e Pobreza nos Países da OCDE, pág.3, 2009).

Para além de uma politica salarial justa que o governo de "Sócrates I" sempre recusou é necessário também alterar um conjunto de leis que estão também a contribuir para agravar as desigualdades: leis fiscais que protegem os rendimentos do capital mas penalizam os rendimentos do trabalho; lei do subsidio de desemprego que exclui centenas de milhares de desempregados do acesso ao subsidio de desemprego; leis da segurança social que reduzem o valor das pensões dos trabalhadores que se reformam e que também impedem a melhoria mesmo das pensões mais baixas dos que já estão reformados; Código do Trabalho, Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, Lei 12-A/2008, que estão a determinar a desregulamentação das relações de trabalho, dando todo o poder às entidades empregadoras e reduzindo drasticamente os direitos de quem trabalha; etc.”

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Frase de fim-de-semana, por Jorge



Se as leis de Nuremberga fossem aplicadas, então todos os presidentes norte-americanos posteriores à guerra seriam eforcados



Noam Chomsky (artigo de 1990)

Três Cantos: um concerto memorável



Foi um concerto memorável este “Três Cantos”.


Revisitação a trabalhos dos três autores, com arranjos muito bem feitos, que prenderam uma sala cheia, milhares de pessoas, numa tensão poética e musical e num grande entusiasmo, em que só o som não esteve à altura.


Três dos principais autores de novos cantares e músicas, ainda anteriores ao 25 de Abril e com grande presença nele, que nos têm acompanhado, realizaram ao fim de 40 anos aquilo que afirmaram ser um seu desejo de há muito.


Servidos por um naipe de vinte e dois músicos e coro de qualidade, cerca de trinta canções das suas vidas foram cantadas pelo seu autor ou os outros dois companheiros, alternando intervenções individuais e colectivas, a três vozes e poemas, com um inédito “Faz parte…o renascer das ousadias” e uma nova versão de “ Não Saber o que se Espera”, de José Afonso.


Todos os três diferentes, como sabemos, apesar dos muitos pontos de contacto, renasceram um a um em cada um dos outros, mantendo a sua identidade individual ao longo de três horas de espectáculo


A fnac vai fazer deste espectáculo gravado, um CD e um DVD, em edição especial limitada, que se adivinha, passe a publicidade, um êxito de Natal, com a promessa de estar nas lojas na semana entre 7 e 13 de Dezembro. Com promoção desde hoje até à edição.


Um livro de 40 páginas, 2 CDs e 2 DVDs custarão 29,95 euros (ou 26,95 em, pré- venda.


Só os 2 CDs, em edição normal, custarão 19,95 (ou 17,95 em pré-venda).


quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Declaração de candidato presidencial ucraniano

Vladimir Litvin, presidente da Rada Suprema da Ucrânia (equivalente à nossa Assembleia da República) e candidato às próximas eleições presidenciais de 17 de Janeiro próximo, negou hoje categoricamente a utilidade da integração da Ucrânia na NATO e que o país deve mudar radicalmente de política externa.

Esta declaração constitui a confirmação de um revés para os círculos mais duros da NATO e da administração americana e o seu projecto de envolvimento da Ucrânia e da Geórgia. Mas não eliminam o receio mundial com os planos de investida contra a Rússia dos EUA e grandes potências europeias.


Litvin é presidente do Partido Popular e defendeu que o seu partido irá desenvolver o máximo de esforços para conciliar uma importante cintura de segurança com a manutenção de relações de vizinhança com os estados vizinhos, e para que o seu país não seja uma muleta a estruturas como a NATO como aconteceu depois da chegada ao poder de Viktor Iushenko.

De novo o desatino

Confesso que não me apetecia escrever sobre o Saramago. A atitude recente em relação às autárquicas de Lisboa não me caiu nada bem e preparava-me para uma quarentena de citações. Tenho o direito a ficar chateado.
Mas o desatino, a propósito de uma obra sua, voltou. Com toda a força do disparate.

Saramago decidiu promover o seu novo livro Caim com referências à Bíblia e ao Deus que ela nos configura. Ninguém de bom senso, nos dias de hoje, pode negar que as impressões que a Bíblia transmite a quem a leia, no seu isolamento e sem recorrer a um "conversor" teológico, é a que o autor refere. E fá-lo porque isso tem a vêr com o que o leitor deste novo livro nele vai encontrar.

Porta-vozes da Igreja, responsáveis da nossa comunidade judaica, até um deputadozito se atiraram a Saramago como gato a bofe. Guardai a vossa ira para a condição humana que se forja em torno de vós! Se o não fizerdes e gastarem o vosso tempo como algumas velhas gaiteiras não há Deus que vos valha e muito mal o estarão a servir!...E até desconfio que vos peçam credenciais quando rumarem ao reino dos céus...Vade retro, pois.

Já alguém disse que as vozes se levantaram sem que tivessem lido Caim. E leram a Bíblia?
PS - Em aditamento, aqui reproduzo comentário feito a um post do F. Penim Redondo sobre a matéria no dote.com.

"Saramago é criticável como qualquer comum dos mortais. Mas o tipo de crítica para com ele não colhe. Quer pela não leitura do seu livro, que poucos terão feito até agora e desde domingo, quer pela não aceitação de que a Bíblia contem, de facto, elementos suficientes para fomentar o ateísmo, como qualquer outro livro antigo que não sofra nas mensagens adequações teológicas aos dias de hoje. Sem iso não é assimilável àquilo que a Igreja apresenta hoje como sua doutrina.
Com tudo isto não subscrevo a exploração mediático-comercial característica de cada um dos seus últimos livros pelo próprio. Sobre isto penso que, sim, Saramago é indiscutivelmente passível de crítica."

...os que por obras valorosas...

Trancoso, para muitos de nós, está associado a imagens como a da feira ancestral, o Bandarra, as portas da vila, o Magriço ou este frade que ficou célebre na história como grande garanhão e povoador do reino, rezando dele a seguinte sentença proferida em 17 de Março de 1487 contra o prior de Trancoso, cujos autos estarão (não confirmei…) arquivados na Torre do Tombo, armário 5, maço 7.

“Padre Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade
de sessenta e dois anos, será degredado de suas ordens
e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos,
esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e
mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi
arguido e que ele mesmo não contrariou,
sendo acusado de :

- ter dormido com vinte e nove afilhadas e tendo delas noventa e sete filhas e trinta e sete filhos;
- de cinco irmãs teve dezoito filhas;
- de nove comadres trinta e oito filhos e dezoito filhas;
- de sete amas teve vinte e nove filhos e cinco filhas;
- de duas escravas teve vinte e um filhos e sete filhas;
- dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de quem teve três filhas,
- da própria mãe teve dois filhos.


Total: duzentos e setenta e cinco, sendo cento e quarenta e oito do sexo feminino

e cento e vinte e sete do sexo masculino, tendo concebido em cinquenta e quatro
mulheres".


"El-Rei D. João II lhe perdoou a morte e o mandou por em liberdade aos dezassete dias do mês de Março de 1487, com o fundamento de ajudar a povoar aquela região da Beira Alta, tão despovoada ao tempo e guardar no Real Arquivo da Torre do Tombo esta sentença, devassa e mais papéis que formaram o processo".



A antiga residência deste padre. Actualmente é o Restaurante Típico " O Museu " junto à igreja matriz de Santa Maria de Guimarães.



Apareça por lá e relembre a história.

Frase de meio da semana, por Jorge



Quando alguns burros correm, chega sempre um deles em primeiro lugar



provérbio do Irão



terça-feira, 20 de outubro de 2009

Os tiques do regime


António Vitorino é um exemplo exemplar de transparência no regime PS.

Os trejeitos faciais são elucidativos. Experimente ouvi-lo sem som. Quase adivinharia o que diz ou pelo menos as imagens sobrepostas que nos vêem à memória de Maquiavel, de Eurico Nogueira, de Mussolini, de Marcelo, de Pinto da Costa e de menino Zequinha, quase dispensariam a sua integral tradução em linguagem gestual.

Depois o que diz. Bom...Que governar em minoria é um jogo de xadrez, que se tem que ser rígido, firme com a oposição,...

Ah! E também achou natural meter-se na vida interna do PSD, definido os dois caminhos que este teria pela frente e qual deles o PS preferiria, que o PSD se deveria definir ideològicamente, definindo o que o PS preferiria para não se confundir com ele (não nos esqueçamos que AV é um dos musts da deriva neoliberal do PS).

E até disse...que o PS não deveria falar com os partidos, mas saltar-lhe por cima e ir falar com o povo. Provàvelmente às manifestações de agricultores, de professores, de agentes das forças de segurança, de trabalhadores de empresas encerradas. Sabe-se lá se para apanhar com qualquer coisa que ele pudesse invocar como xeque-mate na operação de vitimização que irá construindo.

Das maleitas da república, nada disse, das mézinhas para as ditas disse nada. Nem nesta terra vive gente com quem gaste o latim.
Enfim, ideólogo, estratega, senador, comentador, redactor-chefe de programas eleitorais. Ó, sim senhor, não será um homem grande mas um grande homem poderá vir a ser.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

"Bailarinos", pintura de Fernando Botero


Debate nos 100 anos da publicação por Lenine de "Materialismo e Empiriocriticismo"

O contexto da publicação original

Em Outubro de 1908 Lenine, então no exílio, dava por concluída a sua obra "Materialismo e Empiriocriticismo". Notas críticas sobre uma filosofia reaccionária, ia discutir a validade, que alguns filósofos estavam a questionar a validade do conhecimento pelos homens dos fenómenos naturais, armando a burguesia de uma teoria para os seus combates com a classe operária que aspirava à conquista do poder. Lenine nessa conjuntura afirmava que «A tarefa imediata nestes tempos difíceis é criar algo capaz de livrar os homens das “salvações” e dos intelectuais “desalentados”.»

A obra de Lenine «Materialismo e Empiriocriticismo» foi publicada em Maio de 1909, assinalando-se este ano o seu centésimo aniversário.
No final do século XIX e início do século XX, uma série de variantes do positivismo desenvolveu-se por todo o continente europeu, com certas características próprias em cada país (positivismo moderno, positivismo crítico, empirismo crítico, empirismo lógico, etc.). A obra «Materialismo e Empiriocriticismo» centrou a sua crítica nesse movimento na Rússia, nos «machistas» russos - seguidores de Ernest Mach, físico e filósofo austríaco.

No começo do século XX, a Física «moderna», que iniciava então a extraordinária exploração do infinitamente pequeno, abalava a velha noção de «matéria», de natureza.
Os filósofos e «epistemólogos» aproximavam a «matéria» das impressões sensíveis ou sensações móveis, em vez de a supor, como até então, de uma objectividade independente das sensações; atribuíam-lhe qualidades de mobilidade, de relatividade, conferiam-lhe, por assim dizer, uma «existência» apenas fenoménica. A matéria – diziam, com Mach e seus adeptos – não é mais que as sensações que no-la revelam, não tem existência fora de nós. Entre o objecto, a coisa, e o sujeito, o «eu» pensante, há uma terceira ordem, uma terceira forma de existência, em última análise a única real e concreta, dada na e pela impressão sensível enquanto fenómeno, sem que haja alguma coisa a acrescentar-lhe ou a retirar-lhe. Entre o materialismo e o espiritualismo ou idealismo, há uma terceira via…

Este ataque ao materialismo em nome da Física «mais moderna» tinha consequências no campo das ciências sociais e históricas. Era portanto necessário reconsiderar, aprofundar o materialismo em função das recentes grandes descobertas sobre a matéria.

A teoria do conhecimento

Lenine, nesta obra, analisa portanto esta pretensa «crise da ciência» ou «crise da física moderna».
De uma forma aprofundada, Lenine defende, na sua obra, que:

1.º - Há coisas que existem independentemente da nossa consciência, independentemente das nossas sensações, fora de nós.

2.º - Não existe e não pode existir diferença alguma de princípio entre o fenómeno e a coisa em si. A única diferença efectiva é a que existe entre o que é conhecido e o que ainda não é.

3.º - Sobre a teoria do conhecimento, como em todos os outros campos da ciência, deve-se raciocinar sempre dialecticamente, isto é, nunca supor invariável e já feito o nosso conhecimento, mas analisar o processo pelo qual o conhecimento nasce da ignorância ou graças ao qual o conhecimento vago e incompleto se torna conhecimento mais adequado.

Embora escrito há mais de cem anos, este texto mantém uma extraordinária actualidade, não obstante os avanços no conhecimento científico no campo da Física terem rectificado alguns dos seus postulados, como seria expectável.
Numa altura em que, novamente, perante as dificuldades de interpretação de novos conhecimentos científicos, proliferam outras concepções obscurantistas, é de todo o interesse debater, com dois especialistas nas áreas da Física e da Filosofia, a validade do conhecimento pelo homem dos fenómenos naturais.

«Quanto a mim, sou também um “procurador” em filosofia. Mais precisamente: nas presentes notas coloquei a mim próprio a tarefa de descobrir onde é que se desencaminharam as pessoas que nos oferecem, sob a aparência de marxismo, algo de incrivelmente embrulhado, confuso e reaccionário»

V. I. Lénine, “Materialismo e Empiriocriticismo”, Prefácio à Primeira Edição, p. 14
- Ed. «Avante!», Lisboa


Debate dia 10 de Novembro na Faculdade de Letras de Lisboa (entrada livre)


A Associação Iúri Gagárin promove no dia 10 de Novembro, entre as 18 e as 20 h, no Anfiteatro 3 da Faculdade de Letras de Lisboa, um debate com os professores José Croca e Eduardo Chitas, respectivamente da Faculdade de Ciências e da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sobre a obra de Lenine «Materialismo e Empiriocriticismo», publicada em 1909.


O debate será moderado por José Barata-Moura, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Uma reflexão a propósito da vacinação H1N1


A monja beneditina Teresa Forcades i Vila, médica em Barcelona, emitiu, num artigo que pode encontrar aqui, as suas reflexões e propostas que são também perfilhadas por alguns sindicatos e muitos médicos e enfermeiros, a título individual, em todo o lado e também no nosso país.


Não deixando de estar atento a outros pontos de vista, aconselho vivamente esta sua leitura e refiro esta passagem.


(…) Se o envio de material contaminado fabricado pela Baxter não tivesse sido casualmente descoberto em Janeiro passado, efectivamente, ter-se-ia dado a gravíssima pandemia potencialmente causadora da morte de milhões de pessoas que alguns andam a anunciar. É inexplicável a falta de ressonância política e mediática do que aconteceu em Fevereiro no laboratório checo. Ainda mais inexplicável o grau de irresponsabilidade demonstrado pela OMS, pelos governos, pelas agências de controlo e prevenção de doenças ao declarar uma pandemia e promover um nível de alerta sanitário máximo sem uma base real. É irresponsável e inexplicável até extremos inconcebíveis o bilionário investimento saído do erário público destinado ao fabrico milhões e milhões de doses de vacina contra uma pandemia inexistente, ao mesmo tempo que não há dinheiro suficiente para ajudar milhões de pessoas (mais de 5 milhões só nos EUA) que por causa da crise perderam o seu trabalho e a sua casa.(…)

sábado, 17 de outubro de 2009

Decorre na Bolívia importante cimeira da ALBA


Dirigentes políticos de mais de 13 países iniciaram hoje na cidade boliviana de Cochabamba, Bolivia, a VII Cimeira da ALBA, com o objectivo de fortalecer as suas relações económicas e de integração,
A Cimeira aprovou sanções económicas e comerciais contra o regime golpista das Honduras, assinou o tratado constitutivo da moeda Sucre (sistema comercial de pagamento intraregional),e recomendou ao Conselho Político da ALBA que estude e proponha a criação de um organismo de defesa comum
Participam nesta cimeira os presidentes de Venezuela,Hugo Chávez, do Equador Rafael Correa e o primeiro vice-presidente cubano José Ramón Machado Ventura. Estão também presentes os primeiros-ministros da República Dominicana, Roosevelt Skerrit, de São Vicente e das Granadinas, Ralph Gonsalves e das Antigua e Barbados, Winston Baldwin Spencer, assim como Patricia Rodas, em representação das Honduras.
Assistem delegações do Paraguai, Uruguai, República Dominicana, Granada, Haiti e Rússia, convidadas como observadoras.

Solidariedade com os trabalhadores da Saint-Gobain Glass e da Média Capital Rádios




Num caso, o patronato pretende acabar com a antiga Covina, pondo em risco o emprego de 125 trabalhadores. Noutro caso um grupo dos media com lucros bem elevados quer despedir 11 trabalhadores.


Solidariedade com todos eles é precisa!


sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Frase de fim-de-semana, por Jorge



O sonho da democracia é fazer ascender o proletário ao nível de estupidez do burguês


Gustave Flaubert (carta a George Sand, 1871)

As “farpas” na altura da formação de novo governo



O ainda ministro da Presidência, Augusto Santos Silva, defende que, pela linguagem que usa, semelhante à do Bloco de Esquerda ou do MRPP, a presidente do PSD mostra ser uma «interlocutora precária, além de fazer lembrar uma «anarquista espanhola».


Em entrevista ao semanário Sol, Santos Silva refere que «habituei-me a ver a posição da líder do PSD mas no BE ou no MRPP, que é a posição do anarquista espanhol que diz “se há um Governo, sou contra”».


Na altura de constituição de um novo governo, não faltam os responsáveis socialistas que atacam Manuela Ferreira Leite e glosam as questões internas do PSD, os “dirigentes a prazo” ostentando alguma euforia com a aparente implosão do PSD. Num estilo arruaceiro nada compaginável com o “espírito dialogante e sem preconceitos” do 1º Ministro indigitado.


Depois da primeira ronda por parte dos partidos com assento parlamentar, e não devendo isso para ele constituir qualquer surpresa, não terá recolhido promissoras perspectivas de garantir a maioria absoluta, que os portugueses lhe negaram, com o recurso à muleta de outros partidos, que já se tinham colocado fora de tal cenário.


No dar conta pública desses resultados em breve comunicação ontem, José Sócrates falou seis (!) vezes na responsabilidade que os outros partidos assumem com essa posição…Quando o que se esperaria era manifestar a disponibilidade de, sem rasgar o programa eleitoral do PS, alterar aspectos mais graves da anterior governação que estão a ter consequências nos planos da estabilidade social económica. O direito de não ser muleta de uma política com que se não concorda é inalienável e o conseguir governar sem maioria absoluta exige algum virtuosismo, que não tem tido muito acolhimento no Largo do Rato.


Voltando às “farpas”, perguntar-me-ão se venho em defesa de MFL. Claro que não. As concepções políticas nada têm a ver com as minhas e não me pronuncio, por princípio, sobre as questões internas dos outros partidos, nem tenho que ter qualquer simpatia com ela ou com qualquer um da meia dúzia de candidatos ao seu lugar, que para isso se têm vindo a perfilar há muitos meses.


Mas não fico eufórico com o desfazer de um partido que teve e tem um papel no sistema político português, independentemente de ser um sério adversário político, que não deixaria de gerar consequências perigosas se desaparecesse da circulação. Essa é uma questão interna do PSD que deve interessar fora dele.

Dez anos a construir a estação orbital internacional


Veja o faseamento desta operação aqui.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Obama vai ao prego...

"Quantos batalhões me dá pela medalha?", pergunta Obama, com a reclamação de McChrystal na mão... (Courrier International)


O Washington Post revelou que Obama decidiu enviar mais 13 mil soldados para o Afeganistão e que irá decidir nas próximas semanas se aceita ou não, a reclamação de mais 40 mil a 60 mil homens feita pelo comandante americano na região, Stanley McChrystal,

Frase de meio da semana, por Jorge



Uma galinha é apenas a forma de um ovo fazer outro ovo



Samuel Butler, escritor, 1835-1902

terça-feira, 13 de outubro de 2009

A beleza das fotos microscópicas










Da esquerda para a direita e de cima para baixo:
- Cristal de um floco de neve. Apresentam todos simetria se bem que sejam diferentes entre si
- Parecem mas não são antenas de um insecto mas sim uma planta considerada na América do Norte como erva-daninha
- Flor de agrião de genoma muito simples, que a leva a ser muito utilizada na investigação genética
- Alzheimer num peixe-zebra. A verde os neurónios, a vermelho as proteínas tau e a azul as tau doentes

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Bloquear o genoma e levar um...Nobel

A descodificação do código genético dos humanos trouxe à Ciência enormes possibilidades de estudar a origem de doenças graves que afligem a humanidade.

Cuba, detentora de um elevado nível profissional ao nível das ciências médicas tem um Centro Nacional de Genética Médica que procura dar respostas a estas questões.

No entanto, o bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelo governo dos Estados Unidos em 1962, priva este organismo do acesso à tecnologia mais avançada num campo que é tão promissor, limitando significativamente o trabalho de investigação do Centro.


A Dra. Beatriz Marcheco, directora da instituição, revelou ontem ao Granma que, desde 2003, e através dos canais apropriados, têm tentado adquirir um equipamento analisador de genes, essencial para o estudo das suas variações e determinar quais destes pode levar à descoberta de um grupo de doenças que estão entre as principais causas de morte em Cuba ou que aí têm uma incidência elevada. São os casos dos cancros da mama, do cólon e da próstata, da asma, dos diabetes mellitus, de doenças isquémicas do coração e da hipertensão, para citar apenas alguns. Esta jovem cientista referiu que o analisador é fabricado pela empresa norte-americana Applied Biosystems, e classifica-a como a mais avançada tecnologia do mundo para as investigações referidas. A equipe do Centro, segundo ela, trabalha em velocidade muito alta e é capaz de identificar a predisposição genética que as pessoas podem ter de sofrer as doenças mencionadas. Isso fornece uma oportunidade para mudar de vida e tomar outras medidas preventivas destinadas a evitar o seu aparecimento.


Para a Dra. Marcheco o mais absurdo é que depois de cada tentativa para aquisição do equipamento, a resposta das agências governamentais dos EUA sempre foi o silêncio, ou seja, eles não têm argumento para explicar por que se recusam a vender-nos um produto nobre e singular, cuja função é ajudar a preservar a saúde das pessoas.

Nem sequer têm o direito de entrar no site da empresa para obter informações, sendo-lhes negado o acesso ao verem que o requerente é de Cuba, disse.

Já são horas!...



Uma opinião sobre as autárquicas de ontem


As eleições de ontem foram influenciadas pelos recentes resultados das legislativas, apesar de se continuar a registar - é certo que mais nuns partidos do que noutros - uma identidade eleitoral local decisiva em vários casos de avaliação autárquica autónoma que decidem do voto. Penso, porém, que essas especificidades se estão, indesejavelmente, a esbater.

A avaliação dos candidatos pelo que fizeram ou não nos 4 anos anteriores ainda é a chave que descodifica decisões. E neste caso importa registar que, além de bons exemplos, também temos muitos outros em que o trabalho feito pelo governo no apoio preferencial a certas autarquias se tornou a chave de vários sucessos. A consulta sistemática ao que foram os planos de trabalho, as execuções, e os compromissos de todos os ministérios revela a extensão deste comportamento, excepção feita a alguns apoios a maiorias de direita porque o PS também sabe como contar com algumas delas...

Nesse sentido, posso admitir que este ciclo eleitoral, apesar do fracasso do PS nas legislativas, se vai traduzir numa maior governamentalização das relações Administração Central versus Administração Local. Mas não só nisso.
O PS sai com maiorias que lhe permitem ser mais acutilantes na privatização de diversos serviços até agora prestados pelos municípios para os alienar para grupos que se têm constituído nessas áreas, perseguições maiores a trabalhadores municipais incómodos, não só com prateleiras, mas recorrendo ao novo Código de Trabalho e afectando-os nas progressões das respectivas carreiras, vedando-lhes o acesso a funções de chefia e reencharcando os quadros com correlegionários e amigos.

O carácter clientelar de apoiantes, de chefias ou aspirantes a tal, de familiares e de círculos de favores, de apoios empresariais à actividade política, vai acentuar-se. Só quem não conhece a realidade de algumas destas autarquias poderá dizer "Olha, lá está aquele a dizer mal!...".

Neste quadro, é de valorizar os resultados da CDU, resultante do trabalho e da intervenção da CDU e dos seus eleitos, com revezes que não resultaram, em geral, de considerações negativas sobre o trabalho mas mais de deslocações de "voto útil" entre PS e PSD e de acidentes internos com eleitos. A CDU conta com novas maiorias que expressam aspirações a outro tipo de repostas às necessidades das respectivas populações.
É uma força que resiste no interesse das populações.