Eles nao sabem nem sonham
Que o sonho comanda a vida
Que sempre que um Homem sonha
O mundo pula e avanca
Como bola colorida
Entre as maos de uma crianca...
Pináculo de catedral,
Contraponto, sinfonia
Máscara grega, magia
que é retorta de alquimista
ouro, canela, marfim
Florete de espadachim,
bastidor, palco de dança,
Columbina e Arlequim ...
Cisão do atomo, radar,
ultra-som, televisão
Desembarque em foguetão
Na superfície lunar...
Eles nao sabem, nem sonham(...)
Antono Gedeão (Rómulo de Cravalho) in Pedra Filosofal
(Faz centenário)!
"O homem, 49 anos, disse para a mulher, 71 anos: “ estou a envelhecer cada vez mais, e mais rápidamente, sabes porquê?”
A mulher: “porque trabalhas demais, fumas demais, bebes pas mal de vinho, viajas para cá e para lá demasiadas vezes e andas em stress constante, além de te deitares tardíssimo, a ler.”
O homem: “enganas-te, estou a envelhecer porque, além de ser natural, quero atingir num ápice uma idade bem mais adiantada, para tu poderes rejuvenescer!”
A mulher: “leste foi o livro do Fitzgerald , O Estranho Caso de Benjamin Button, eu vi o filme, como sabes, agora queres imitá-lo?”
O homem: “esse já nasceu velho, eu quero envelhecer, é completamente diferente e tenho boas razões para isso, quero envelhecer para tu rejuvenesceres, de modo a atingirmos os dois a mesma idade!”
A mulher: “estranho, nao sei porque carga de água me lembrei agora de uma história que o Oliver Sacks, o psiquiatra norte-americano, conheces, não conheces, contou num romance, a historia de um cliente que, ao saír da consulta foi buscar a mulher, sentada em frente dele, dizendo para o médico: levo a minha mulher comigo, claro! Mas, a mulher, não era mais do que o seu chapéu de chuva!”
O homem: “não entendo, nao tem o cú a ver com as calcas... além disso, acho que não estás a contar a história como é, não me lembro também, só me recordo que o livro tem por titulo “O homem que confundiu a mulher com o chapéu de chuva!”
A mulher: “o meu primeiro marido não dizia cú, dizia rabo - nao tem o rabo a ver com as calças - foi meu professor de filosofia, imagina um professor a dizer cú, nas aulas do Liceu D. Joao de Castro?”
O homem: “e dizes tu que tens má memória, lembras-te de tudo, do passado, do presente e se calhar, do futuro que nem conheces, mas adivinhas, näo?”
A mulher: “a minha memória bloqueia de vez em quando, como sabes, ainda ontem queria dizer o nome do realizador do filme “A Cidade Branca”, passado em Lisboa e só me lembrava de Alain Tunner? Turner?, bloqueei, só hoje de manhã me lembrei: Tanner. No entanto, lembrava-me que era também o realizador de Jonas, qualquer coisa, ano 2000?, nem agora me lembro, a historia daquela caixeira de um supermercado, na branca e púdica Suiça, que via o Jonas roubar todos os dias comida e não o denunciava, até acabou por lhe meter, ela própria, coisas no saco.”
O homem, sonhador: “ e assim nasceu uma historia de amor, mas foram apanhados, não foram?”
A mulher: “näo é Jonas 2000, mas também não dou com o titulo exacto. Imagina, faz-me pensar, sei lá eu bem porquê, no romance do Aldous, “Huxley 1986”, é assim o título? E dizes tu que tenho boa memória!”
O homem, um sorriso ternamente irónico: “confirmo, tens boa memória, para a idade...”
A mulher: “mas explica lá, estás a envelhecer para eu rejuvenescer? Então nao gostas de mim como sou, justamente com a idade que tenho!”
O homem “sabes bem que me estou nas tintas para a idade, I dont give a damn of it (ele a citar a frase que ela tinha a mania de usar, às vezes por dá cá aquela palha, a frase que o belo Clark Gable atira à bela Scarlet O´Hara, em Nem Tudo o Vento Levou)
A mulher : “sabes, quando eu era jovem e bela, chamavam-me de Ava Gardner, lembras-te do filme, The barefoot Countess, vê lá tu...”
A mulher tinha visto tudo o que eram bons filmes, ia nos 71 anos e adorava cinema, nao em DVD´S, ele bem lhe copiava do programa televisivo franco-alemão ARTE, talvez o melhor de todos ( um que a TV Cabo tirou aos espectadores portugueses, regalia retirada, ela até telefonou para a Cabo a reclamar aquilo a que tinha direito, responderam-lhe que teria de pagar à parte, uma box qualquer, porque a ARTE, quase ninguém via, tinha cultura a mais, ao que ela comentou num tom àspero: “ ah, será que os portugueses preferem telenovelas, ou futebol, ou crimes e guerra, violencia, quanto mais, melhor?, não, não acho que os portugueses sejam menos interessados em programas interessantes, do que os outros europeus que vêm este canal!”
A mulher o que gostava mais era de ir ao cinema a sério, gostava do ritual, comprar o bilhete para maiores de 70 – pedia sempre a sorrir - entrar na sala, escolher o lugar, longe das outras pessoas, para ficar como que isolada, só, sentar-me cómodamente, abrir a bolsa, trocar de óculos, assistir ao apagar das luzes, depositar na cadeira ao lado, a garrafinha de àgua, o saco de pano, com algum livro, algum jornal ou revista, um casaquinho de malha, podia estar frio, nos cinemas ou está frio demais, ou calor demais, (um dia até exigiu que lhe devolvessem o dinheiro, depois de ter saído arrebatadamente da sala) e devolveram, voltou no dia seguinte e avisou que se não aumentassem o ar condicionado reclamava à Defesa do Consumidor, chamaram logo a chefe e o assunto resolveu-se.
Também levava no saco uns soquetes quando ia de sandálias (no Verão), um cachecol, de caxemira no inverno, Pasmina da India ou do Paquistão, ou ligeirinho, de seda, no tempo mais quente ( tinha um italiano e um francês ), levava tudo a que se tem direito, para o que desse e viesse, uma grande amiga até costumava dizer, cheia de ternura: você é mesmo judia, anda sempre com um saquinho, só falta a escova de dentes, se calhar até traz uma!
O homem: “ ainda és jovem e bela, sabes muito bem, o que conta é a tua vivacidade, estás muito mais viva do que a maioria das pessoas, bem mais viva do que eu...”
A mulher: “OK, mas como consegues isso de envelhecer tão depressa, e como rejuvenesço eu, ficamos os dois com que idade? Tens alguma média?
O homem: “tenho, um momento, um momento único nas nossas vidas (eterno?), ficaremos os dois com a mesma idade... e uma das razões para tu rejuvenesceres é por mostrares tanta pena de nao chegar ao século XXI, para veres as mudancas no planeta, no mundo (bem vejo o teu ar pensativo, sonhador, quando a gente, à tua volta, fala de certas coisas que irão acontecer num futuro qualquer, pensas que já não estarás cá para assistir, além de eu saber que gostarias de ver os teus trinetos e a evolucão de tudo isto...”
A mulher, numa voz muito séria: “mas até que idade queres envelhecer e eu até que idade rejuvenesço?”
O homem: “tenho de fazer contas (tinha a mania da matemática, apesar de ser físico), gostava de alquimia, de economia, de gestão, de politica, de ler livros policiais, apesar de conhecer muita literatura não policial, devorava os grandes autores de “Krimies”, como dizia na sua língua natal e ainda pesquisava tudo àcerca de sal – sale della vita - desde o sal-gema, até ao marinho, de várias cores, de muitos países – não gosto de sal – afirmava e ninguém percebia porque trabalhava então com esse elemento da natureza. Mas como era irónico, nunca se sabia bem...
A mulher, novamente num tom de voz muito sério: “mas se eu nao envelhecer mais, ficas sem o prazer – e não estava a ser irónica - de tomar conta de mim, de empurrar a cadeirinha de rodas, de me levares ao centro de saúde, ao hospital, ao restaurante, à esplanada a ver o mar, ao jardim, sei lá”...
O homem, tao sério , quanto ela: “depois se verá!”
Nessa noite a lua encheu de luz branca-azulada a casa e ele falou como que para os seus botões, por outra, para os botões de ambos: “olha, fiz um pacto com a lua, dou-lhe a alma, como o Dr. Fausto deu ao Diabo, e em troca a Dona Lua põe-me com cabelos grisalhos, rugas, varizes, dores nas costas, cansaço no coração ao subir escadas, ou ruas, tira-me mais alguns dentes, aproximo-me da tua idade, fico mais velho, tu mais nova ... “
E a mulher a pensar: “qual Dr. Fausto, qual Lua, deve ser é alguma alquimia, coisas dele...”
O homem: “de qualquer maneira, vais atingir os cento e vinte anos...”
A mulher: “e, tu?”
Susana Ruth Vasques
Sitio da Cumeada, 8 de Março de 2009
Dedico esta cronica ao homem da crónica e a todos os homens que amei e me amaram!