domingo, 25 de outubro de 2009

O fosso entre ricos e pobres aumenta em Portugal


Na lista dos países com maior fosso entre ricos e pobres Portugal vem em 5º lugar. A classificação é feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Do ponto de vista da desigualdade só Hong Kong (1º), Singapura (2º), EUA (3º) e Israel (4º) estão em situação pior do que Portugal. O coeficiente de Gini que o PNUD atribuiu a Portugal foi de 38,5 (numa escala em que zero representa a igualdade absoluta e 100 a desigualdade absoluta). O PNUD afirma que os 10% mais pobres da população portuguêsa detêm apenas 2% do rendimento nacional, ao passo que os 10% mais ricos detêm 29,8% do mesmo. A notícia está em Yahoo Finance.
Pelo seu lado, Eugénio Rosa confirmou esta constatação através de um estudo publicado no resistir.info, de que transcrevemos apenas o resumo.

“As desigualdades e a exploração aumentaram muito em Portugal nos últimos anos. Mostrar isso, utilizando apenas dados oficiais, é o objectivo deste estudo. Desta forma procura-se contribuir para chamar a atenção para uma realidade preocupante que não poderá ser nem ignorada nem esquecida pelo governo "Sócrates 2". De acordo com dados do Banco de Portugal, do INE e do Eurostat a percentagem que as remunerações, quer incluindo as contribuições sociais quer sem contribuições sociais, representam da riqueza criada, ou seja, do PIB diminuiu muito após o 25 de Abril. Assim, em 1975, ano em que a situação foi mais favorável para os trabalhadores, as remunerações "liquidas", ou seja, sem contribuições sociais mas antes do pagamento do IRS, representaram 59% do PIB, enquanto este ano (2009) prevê-se que representem apenas 34,1% do PIB, ou seja, menos 42,2% do que a percentagem de 1975 (em pontos percentuais, menos 24,9 pontos). Se os trabalhadores recebessem em 2009 um valor correspondente à mesma percentagem do PIB que receberam em 1975, receberiam em 2009 mais 40.860 milhões de euros de salários (Quadro I). Este valor dá uma ideia clara das consequências para os trabalhadores do agravamento da desigualdade na repartição da riqueza criada anualmente que se verificou depois de 1975.

Numa sociedade capitalista como é a nossa, o grau de exploração dos trabalhadores é medido pela taxa de mais valia ou taxa de exploração. As estatísticas em Portugal assim como as União Europeia não são elaboradas de molde a se poder calcular com precisão a taxa de mais valia, pois isso poria em causa o próprio sistema capitalista.
No entanto mesmo com as limitações existentes pode-se utilizar os dados oficiais para calcular uma taxa que dá uma ideia clara do aumento da exploração em Portugal nos últimos anos. E o valor que se obtém para essa taxa é de 46,3% em 1975 e de 100,6% em 2009. Portanto, a dimensão da exploração dos trabalhadores em Portugal mais que duplicou entre 1975 e 2009. De acordo com um estudo recente divulgado pela OCDE, Portugal é um dos países onde é maior a desigualdade na distribuição do rendimento. É precisamente no nosso País onde o coeficiente de Gini, que mede a desigualdade, é mais elevado (0,385). A média nos países da OCDE é de 0,311 (Gráfico I). Depois de Portugal, na OCDE apenas existem dois países: Turquia e México.

A pobreza está também a atingir milhares de trabalhadores com emprego devido aos baixos salários que auferem. No fim de 2008, 139,5 mil trabalhadores por conta de outrem recebiam um salário liquido médio mensal inferior a 310 euros por mês, e os que recebiam salários até 600 euros correspondiam a 40,9% do total de trabalhadores por conta de outrem (Quadro II). Uma camada numerosa da população muito afectada pela desigualdade na repartição do rendimento são os reformados. Em Julho de 2009, a pensão média de velhice de 1.843.375 reformados era apenas de 384,72 euros por mês, e 981.181 mulheres recebiam da Segurança Social uma pensão média de velhice ainda mais baixa (292,10 euros), portanto um valor muito inferior ao limiar pobreza (354,28€/mês-14 meses). Em relação aos reformados por invalidez a situação é ainda mais grave. A pensão media dos 300.173 pensionistas por invalidez paga pela Segurança Social era, em Julho de 2009, de apenas 321,25 euros. E o valor das pensões auferidas pelas mulheres (em média 281,10€ por mês) correspondia apenas a 77,8% das do homem. Mas existem distritos em que as percentagens são ainda inferiores, como sucede com Lisboa (69,4%) e Setúbal (64,4%) – (Quadros III e IV). Se a análise for feita por escalões de pensões conclui-se que 79% dos pensionistas de velhice e de invalidez recebem uma pensão inferior a 407 euros (Quadro V) Alterar a profunda desigualdade que existe na distribuição do rendimento e da riqueza em Portugal é uma obrigação do próximo governo. E isto até porque a desigualdade existente é uma das causas da fragilidade actual do tecido social e económico do país, e do atraso de Portugal. E como refere a própria OCDE, "a única forma sustentável de reduzir a desigualdade é travar o desfasamento de salários e rendimentos de capital que lhe está subjacente" (Crescimento Desigual? Distribuição do Rendimento e Pobreza nos Países da OCDE, pág.3, 2009).

Para além de uma politica salarial justa que o governo de "Sócrates I" sempre recusou é necessário também alterar um conjunto de leis que estão também a contribuir para agravar as desigualdades: leis fiscais que protegem os rendimentos do capital mas penalizam os rendimentos do trabalho; lei do subsidio de desemprego que exclui centenas de milhares de desempregados do acesso ao subsidio de desemprego; leis da segurança social que reduzem o valor das pensões dos trabalhadores que se reformam e que também impedem a melhoria mesmo das pensões mais baixas dos que já estão reformados; Código do Trabalho, Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, Lei 12-A/2008, que estão a determinar a desregulamentação das relações de trabalho, dando todo o poder às entidades empregadoras e reduzindo drasticamente os direitos de quem trabalha; etc.”

1 comentário:

Anónimo disse...

Pretender calcular a taxa de mais-valia relacionando os salários (directos e indirectos, a que se deveria acrescentar ainda um "salário social", por exemplo os equipamentos colectivos e os serviços públicos em parte ou no todo gratuitos) com o PIB levanta inúmeros problemas e conduz facilmente a grossas incorrecções.

Mesmo a apreciação da sua evolução é problemática, desde logo porque, mesmo que a taxa de mais-valia se mantivesse constante (o grau de exploração não aumentasse), a parte dos salários (incluindo as contribuições sociais) diminuiria geralmente no PIB - ou, o que dá no mesmo, de acordo com a metodologia do estudo, o PIB menos os 'salários + contribuições sociais' aumentaria em relação aos 'salários + contribuições sociais' -, devido à elevação da composição orgânica do capital (que origina o decréscimo da taxa geral de lucro). A variação do indicador utilizado reflecte mais do que a variação da taxa de mais-valia.

Mas há, claro, muitos outros problemas. Vale a pena destacar um dos mais importantes, que tem que ser tomado em conta mesmo num cálculo mais acertado que relacionasse apenas os lucros com as remunerações salariais (directas e indirectas), e que foi
completamente negligenciado no cálculo da taxa de mais-valia a que se chegou: a separação crucial entre trabalho produtivo e não produtivo. A taxa de mais-valia só pode ser calculada em relação ao primeiro, sem o que sai, no que respeita a este aspecto, enormemente subavaliada.

A massa de trabalho não produtivo (de mais-valia) está em crescimento acelerado e representa já uma fracção bastante considerável do trabalho assalariado no nosso país. É importante perceber que a remuneração de trabalhadores fundamentalmente destacados em funções comerciais, financeiras ou de administração (nas empresas e no Estado), provem da mais-valia arrancada aos trabalhadores da produção (em sentido lato, incluindo muitas actividades dos serviços). Nesse sentido, e simplificando muito para evidenciar o erro, o montante dessas remunerações deve ser considerado no numerador em vez de no denominador da taxa de exploração.

A taxa de mais-valia referida é uma ficção (e a vírgula ridícula). Dito isto, não haja, entretanto, qualquer dúvida de que a taxa de mais-valia, isto é, o grau de exploração dos trabalhadores portugueses, aumentou brutalmente desde 1975.

HM