quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Crítica - Máquina de Somar, de Ana Campos

De Joshua Schmidt; libretto de Jason Loewith e Joshua Schmidt, baseado na peça Adding Machine de Elmer Rice; tradução Ana Zanatti; encenação de Fernanda Lapa; direcção musical de João Paulo Soares; com Henrique Feist, Luís Madureira, Luísa Brandão, Joana Manuel, Luís Gaspar, Andreia Ventura, Bruno Cochat, Joana Campelo, Sérgio Lucas e os músicos Francisco Cardoso, Daniel Hewson, João Paulo Soares. Sala principal do Teatro da Trindade, Lisboa, de 17 de Outubro a 24 de Novembro.

Está a passar estranhamente despercebida este muito surpreendente espectáculo de Fernanda Lapa. Herdeiro do musical, embora como a própria encenadora afirma sobre o espectáculo, tenha com ele apenas breves pontos de contacto, Máquina de Somar é uma transposição para o Portugal dos anos 20...30 do drama imaginado por Elmer Rice na América dos anos 20 de um homem, o Sr. Zero, que, ao fim de 25 anos de trabalho dedicado como contabilista, quando sonha ser promovido, é despedido e substituído por uma máquina de somar. O Sr. Zero não aceita este final para a sua vida e muda o curso da história.
O espectáculo, que consegue momentos de grande beleza plástica graças aos cenários e figurinos de António Lagarto, articula com mestria a transposição das canções para o diálogo. As vozes dos intérpretes impressionam, bem como a inusitada narrativa que consegue momentos verdadeiramente hilariantes, quando o Sr. Zero canta, por exemplo, o seu apreço por ovos com salsichas. A este lado caricatural alia-se uma actual e mais profunda crítica à sociedade contemporânea onde a economia trucida o trabalho de uma vida e defrauda o reconhecimento esperado.

O desenlace da história, contudo, quebra a qualidade mantida até então caindo no ridículo desconcertante e pouco oportuno. Considero, ainda assim, extraordinariamente necessária esta procura de um teatro que alie o espectáculo a uma forte reflexão sobre a sociedade em que vivemos e o curso que lhe estamos a dar.Há qualquer coisa de brechtiano aqui.
Como afirmei no início o espectáculo merece, sem qualquer dúvida, maior visibilidade junto do público e da crítica. Não é todos os dias que se montam produções desta qualidade e envergadura.


PS - Com o agradecimento a Ana Campos, em proponho.blogspot.com

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