quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Ainda sobre a queda do muro (o de Berlim, entenda-se…), a propósito de um debate

Tive a oportunidade de há dias participar num debate promovido pelo Le Monde Diplomatique a propósito da edição no seu número de Novembro, Vestígios apagados da Alemanha de Leste”, do jornalista alemão Bernard Umbrecht. Os participantes eram poucos e os oradores três: João Arsénio Nunes, historiador que tem trabalhado sobre o movimento comunista, Vera San Payo de Lemos, professora universitária e dramaturga que teve contactos com os meios culturais da RDA e os mantém hoje e Reinhard Naumann, que representa desde 1996 em Portugal a Fundação Friedrich Ebert, que apoia a UGT, e que, dias antes participara numa conferência da corrente socialista da CGTP-IN, a que já fiz referência neste blog, e que tem, escrito sobre o movimento sindical português.

O artigo de Bernard Umbrecht ilustra a constatação do autor de que depois da queda do muro, se iniciou uma “guerra-fria da memória” ou damnatio memoriae destinada a apagar da história e da memória o que foi a RDA. É uma apreciação objectiva por parte de alguém que não é comunista, como muitos outros fazem (lembro-me de um artigo há dias no Publico de Elísio estanque, por exemplo).

Naumann rejeitou várias afirmações do autor, algumas das quais em termos não verdadeiros, e senti necessidade de intervir sobre alguns pontos. Estive na RDA antes e depois da queda do muro, tenho amigos lá, e somo a minha experiência pessoal à de muitas outras pessoas que a tiveram. Tenho a partir daí e com base em informação de diferentes fontes, uma opinião sustentada do que ali se passou.

Naumann sempre viveu na RFA, não foi à RDA nem antes nem depois, e veio há muitos anos para Portugal. Talvez para compensar este handicap, declarou ter sido esquerdista e militado numa organização pró-soviética (Arsénio Nunes replicou que era comunista mas nunca tinha militado numa coisa dessas…).

Insinuou que 40 anos de socialismo na RDA certamente geraram crescimento dos nazis mais do que nos 13 anos de Nacional-Socialismo. Que os habitantes de Berlim Leste queriam a Coca-Cola, o que em sentido figurado até se pode compreender no quadro de uma atracção por modas de consumo em que a RFA investiu muito na parte ocidental, isto embora se produzisse já nos anos setenta uma bebida parecida com a Pepsi-Cola. Que foi importante destruir o Palácio do Povo perto da Alexander Platz (ver foto) porque este fora construído a partir da demolição de um palácio dos kaiseres (de facto o tal palácio desactivado fora praticamente destruído nos bombardeamentos de 1945, não tinha valor intrínseco enquanto a destruição do Palácio do Povo gerou uma indignação muito forte na ex-RDA). Que o regime socialista estava podre e tinha que desaparecer e não de ser reformado.

Ficou muito irritado por eu ter dito que importaria saber as razões que levaram os dirigentes da RDA, em 1961, ter decidido construir o muro, depois da divisão em 1945 da cidade em 4 zonas de administrações americana, russa, inglesa e francesa. Que problemas de fronteira teriam ocorrido, depois da guerra-fria se ter iniciado em 1947, nesses 14 anos. Explodiu “Não posso com estes tipos que ainda querem justificar o muro”, depois de lhe ter dito que eu não concordava com a sua sobrevivência.

Arsénio Nunes fez, de forma breve, uma referência a acontecimentos anteriores para ajudar a compreender algum curso da história mais recente: a falta de uma coesão desde 1871 e a distinção das duas parcelas do território (a RDA era, mais ou menos, a mittledeutschland, território e grande influência comunista e do movimento operário) não se resolveram em três quartos de século e ajuda a compreender que a “reunificação” de 1990, de facto uma anexação, nunca tenha sido sentida até agora; a fundação do SED (partido do poder na RDA) resultou de um entendimento entre sociais-democratas de esquerda e comunistas, depois da sua divisão histórica inicial, semelhante à formação do actual Die Link; formação da RFA, não prevista nos acordos de Potsdam e Ialta, por pressão americana, a que reagiram os dirigentes da zona de administração soviética, impondo aos soviéticos, contra a vontade destes, a constituição da RDA; o apoio soviético às reformas pós-guerra neste território.


Às considerações feitas no artigo do Le Monde Diplomatique voltarei dentro de dias, a propósito do sucesso eleitoral do Die Link nas últimas eleições.

2 comentários:

JV disse...

Tenho pena de não ter estado no debate. Felizmente, há blogs destes para suprir as falhas!

Anónimo disse...

De facto, depois de ler este texto fico com a ideia que não conheço factos historicos importantes sobre a historia recente da Alemnha. É importante voltares ao tema ...

Nuno