Dei com ele inesperadamente na primeira volta de bicicleta do ano, junto à ribeira de Almádena que aqui passa. Não se assustou, foi-se apenas afastando calmamente, de modo que pude ainda apanhá-lo in extremis com o zoom no máximo. Que excitação, uma coisa tão rara!
O que terá acontecido a esta ave, outrora tão considerada e adorada no Egipto, para vir parar a este modesto Barão? e ainda por cima junto à ETAR, local tão pouco apropriado para aves sagradas?
Explicação trágica: no trajecto migratório através do Mediterrâneo oriental, vindo da Europa Central a caminho das zonas quentes de África onde passar o inverno, foi colhida pelos temporais e arrastada pelos ventos até à Península Ibérica, onde exausta e longe do bando aguarda o triste fim que a espera com os frios que se aproximam.
Explicação mais prosaica e desdramatizada: terá fugido do zoo de Barão, lá em cima, a 500m e nem voar sabe...
Mistério? qual mistério, "o único mistério é haver quem pense no mistério" (Alberto Caeiro) :)
2ºandamento
Barão (de S. João) é a aldeia perto de onde tenho a casa. A poucas centenas de metros, fica o chamado "Zoo de Lagos", um parque zoológico "ecológico" sem grades, nem gaiolas, com macacos, patos, cegonhas, tartarugas, etc., construído há cerca de dez anos e muito visitado por escolas e turistas. É daí que talvez possa ter escapado o íbis-sagrado que encontrei a passear. Aves deste tipo são mantidas em cativeiro cortando-se-lhes as penas (remígias?) que lhes permitem voar. Se entretanto crescem um bocadinho, já podem dar para esvoaçar...
À primeira vista, custa a acreditar dar numa qualquer curva de um caminho algarvio com uma ave destas tão mítica, toda ela hieroglifos, faraós e cabeças de Tot, cujo habitat é o longínquo Nilo. De facto, tal como se demonstra pelos bandos de papagaios amazónicos que hoje vemos no Parque Eduardo VII, descendentes de algum solto ou fugitivo casal, ou pela quantidade de pássaros exóticos como o bico-de-lacre (americano) ou o bispo-de-coroa-amarela (africano) esvoaçando alegremente pelos campos de Alcochete, o mundo é tão aldeia global para os animais como para os humanos, com os seus moldavos, turquemenos ou uigures surgindo fora do "habitat" por onde menos se espera. Também os íbis-sagrados foram "introduzidos" na Europa central e tão bem se deram que por lá ficaram, esquecendo-se mesmo da chatice da migração, à imagem das neo-portuguesíssimas cegonhas sem as quais já a EDP nem consegue ter postes de alta tensão.
Isto hoje em dia, quando damos nos menús com "costeletas de crocodilo" ou o fado até é acompanhado a castiço contra-baixo, o que é que nos há-de ainda fazer espantar?
3º andamento
Podemos todos estar descansados, afinal o íbis-sagrado é bem algarvio!
Nascido e criado aqui em Barão no "Zoo de Lagos", cresceram-lhe as asas mais do que o previsto e gosta de ir "dar as suas voltas" (ipsis verbis tratador), mas regressa sempre a casa (ai não!...).
Não passa de um íbis-profano... tudo o que consegue enxergar como nilo é a lagoa da etar!
Já é difícil darmos com mistérios dos antigos... o mundo está a ficar tão corriqueiro!
2 comentários:
Muito interessante.
Meu caro António,
apesar de casa no Algarve, ainda não te aculturaste o suficiente para tratar o Barão de São João como deve ser tratado, Barão de São João e não simplesmente Barão...
As aves, pelo menos algumas aves, têm grande simpatia pelas ETARs. É vê-las em grandes concentrações junto à ETAR mal cheirosa de Portimão, flamingos rosados p.e., e em bandos numerosos junto à ribeira do Falacho, perto de Silves. Aqui a Etar que fica próximo está sempre avariada, o que parece não incomodar a passarada. Nem pelos vistos a população de Silves que continua a votar na mesma ave rara que á a presidente.
Bom Ano
João Anacleto
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