A flauta do amolador era um dos sinais da manhã e o café com leite um outro a entrar-nos nas narinas e a minha mãe “Meninos são horas…” para logo voltar à janela e chamar “Sr. Manuel, já aí vou” e num repente saíam guardas - chuva, tachos, uma tesoura e algumas facas, ficando nós a olhar da janela a mestria do amolador que fazia soltar faíscas mágicas das peças que resistiam a ir para o lixo e que voltavam como novas até que dia perguntei à minha mãe o que era a vizinha ter a língua afiada, antevendo-a debruçada na roda a retocar as formas da referida, ao que ela me sossegou, remetendo a matéria para o foro do carácter, coisa de que o meu pai já nos tinha começado a falar, e assim ficou intacta a nossa consideração por aquele homem que do velho fazia novo, enquanto tocava a flauta, se fazia anunciar e ainda tinha tempo para um piropo às sopeiras alvoraçadas, terminando com o sonoro rematar "Dona Regina, o material está pronto e em condições e são dois mil reis".
LIVRAI-NOS DELES
Há 4 semanas
3 comentários:
Pois, aqui pela porta ainda vai passando... e, diz a minha mãe, que é pronúncio de chuva...
E por vezes até chove...
Santo natal...
:))
Bela lembrança,também a partilho!
:))
No silêncio da saudade, a tristeza é imensa, não calculam a que eu tenho do meu avô,o "amola-tesouras de Setúbal" (fotografia acima) um ser humano cheio de carinho, amor, simplemente um SER excepcional. Ouvir hoje na rua, o som estridente do "apito", leva-me ao meu tempo de criança, à brincadeira,e, de seguida as lágrimas caem-me com uma eterna e imensa saudade. Vivelinda
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