terça-feira, 30 de setembro de 2008

O endividamento das famílias portuguesas com a habitação, um estudo de Eugénio Rosa

(resumo do estudo, consultável em resistir.info)

A actual crise financeira, que começou nos EUA, um país apresentado durante muito tempo pelo pensamento económico neoliberal dominante em Portugal, nomeadamente a nível dos media, como exemplo a seguir no campo da segurança e solidez, do crescimento económico e do emprego, crise essa que se alastrou por muitos outros países, como consequência de uma globalização totalmente desregulada para não dizer mesmo selvagem imposta pelo capital financeiro, está a ter em Portugal já consequências muito graves. No nosso País, que caminha a olhos visto para uma recessão económica que só o governo e os seus defensores se recusam ver e em tomar medidas para atenuar os seus efeitos, as consequências a nível das famílias portuguesas são cada vez maiores e mais dramáticas.

O número de famílias portuguesas com empréstimos para habitação eram já, em Julho de 2008, 1.8008.096 representando cerca de 49,5% do total das famílias portuguesas. E entre Dezembro de 2004 e Junho de 2008, o número de famílias endividas aumentou +24,6% e o valor total da divida cresceu em +48,1%.

Como consequência da crise gerada pela ganância do capital financeiro, só possível pelo domínio que este exerce sobre os governos, que ao desmoronar-se arrastam economias e as condições de vida de milhões de pessoas, em Portugal, entre Janeiro de 2005 e Julho de 2008, a prestação media total com o empréstimo destinado à aquisição de habitação aumentou 31,3%, mas a parcela destinada a amortização desse empréstimo diminuiu em -18,9%, enquanto a parte dessa mesma prestação destinada ao pagamento de juros cresceu em +75,3%. Por outras palavras, em cada 5 € pagos pelo devedor português apenas 1,44€ é destinada à amortização, ou seja , à redução da divida, enquanto 3,56€ destinam-se ao pagamento de juros. Como consequência, o número médio de anos necessários para pagar o empréstimo para habitação passou de 31 anos para 45 anos, ou seja, mais do que a vida activa da maioria dos portugueses. Entre 2004 e 2008, o valor total dos rendimentos das famílias portuguesas que estas serão obrigadas a entregar à banca para pagar só os juros de empréstimos para aquisição de habitação passará de 2.629,6 milhões de euros para 5.749,7 milhões de euros, ou seja, aumentará em 118,7%. E isto tomando como base a taxa de juros de Junho de 2008. E, entre Junho de 2008 e 18 de Setembro de 2008, a taxa de juros Euribor a seis meses, que serve de base ao crédito à habitação, já subiu de 5,13% para 5,22%

Embora os encargos com a habitação representem já uma parcela importante das despesas das famílias portuguesas, o Instituto Nacional de Estatística recusa-se em incorporar no índice de preços que publica mensalmente esta despesa. E a justificação que utiliza é que estas despesas destinam-se à “aquisição de um activo”. A recusa do INE em publicar um índice que incorpore os encargos das famílias com a aquisição da habitação só pode ser interpretada como tendo razões politicas, ou seja, visa ocultar o verdadeiro aumento de preços para as famílias portuguesas, já que publica vários outros índices (IPC, IPCH, Indicador da inflação subjacente, etc.). Se este índice fosse publicado naturalmente a taxa de inflação seria muito superior à oficial, o que tornaria à propaganda do governo e do patronato mais difícil de ocultar a degradação real das condições de vida em Portugal, nomeadamente dos trabalhadores. O INE presta assim um bom serviço ao governo e aos patrões, mas um mau serviço ao País pois ao contribuir para ocultar a descida real do poder de compra dos salários e das pensões de reforma em Portugal contribui para que continue.

O aumento dos juros está a contribuir fortemente para a degradação das condições de vida em Portugal, nomeadamente dos trabalhadores. É urgente que sejam tomadas medidas para impedir que a situação atinja níveis insustentáveis. E não é suficiente a baixa do chamado “spread”, pois os “spread” mais elevados aplicam-se mais aos empréstimos mais recentes. Uma medida mais adequada seria uma bonificação nos juros, como já existiu no passado, financiada em parte pelo Orçamento do Estado, e se possível em parte também pela banca, reduzindo os elevados “spread” e também os juros que cobra, destinada nomeadamente às famílias em que a taxa de esforço seja elevada (por ex., acima dos 25%) e com rendimentos baixos (por ex. abaixo dos 1.600 euros por mês), e sem ligações a famílias ricas. Se isso não suceder, com a continuação do aumento da taxa de juros, milhares de famílias entrarão em ruptura e em falência, e o crédito mal parado disparará, como já está a acontecer.

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