no Mundo Cão 26 de Abril 2015
Os resultados da cimeira da
União Europeia dedicada à tragédia no Mediterrâneo confirmam que os conceitos
de “humanismo” e “direitos humanos” se transformaram em palavras ocas a usar
obrigatoriamente nos discursos e declarações oficiais, mas que deixaram de
fazer qualquer sentido nas mentes dos dirigentes, pervertidas por estatísticas,
indicadores e cálculos.
Por José Goulão, no Mundo Cão 26 de Abril 2015
Por José Goulão, no Mundo Cão 26 de Abril 2015
O panorama tornou-se de tal maneira vergonhoso que
permitiu a emergência de Jean-Claude Juncker, o tecnocrata que preside à
Comissão Europeia, como figura dotada de resquícios de alguma sensibilidade.
Por isso, falou sozinho e as suas propostas foram derrotadas.
A arte propagandística da manipulação dos números, usando termos como “triplicar verbas” e insistindo no uso da palavra “milhões”, não resiste a uma avaliação breve dos resultados. Em suma, os chefes dos 28 países – que gastaram longas quatro horas dos seus preciosos tempos à ameaça que paira sobre milhões de seres humanos – decidiram gastar 9 milhões de euros por mês nas operações de patrulhamento do Mediterrâneo através do Frontex, a polícia das fronteiras externas da União, em vez dos 2,9 milhões atuais.
Pois bem, descodificando a multiplicação por três: os 9 milhões correspondem ao que a Itália gasta sozinha na operação Mare Nostrum e, ao contrário desta, que se estende até os limites das águas líbias e tunisianas, restringem-se apenas às águas territoriais dos países ribeirinhos da União, evitando as zonas onde acontecem a maioria dos naufrágios. Recorda-se que o orçamento da União Europeia para 2015 é de 161,8 mil milhões de euros.
Como o preço da vida humana anda de facto muito baixo nas cotações bolsistas, note-se que 9 milhões de euros/mês correspondem a menos de um décimo do orçamento do Frontex, que obviamente tem muito mais que fazer. O seu diretor-geral, Frederice Leggeri, explicou que este corpo “não tem por missão salvar vidas”, e se o faz é apenas por imposição “do direito marítimo”, porque deve dedicar-se, isso sim, a “controlar e triar as entradas de imigrantes irregulares”.
No quadro das decisões tomadas durante a trabalhosa reunião, a chefe da política externa da UE, a italiana Federica Mogherini, foi encarregada de estudar os meios jurídicos a que é possível recorrer, no quadro das leis internacionais, para combater as redes de traficantes de carne humana que medraram como cogumelos no Mediterrâneo depois de a Otan ter “libertado” a Líbia. Ou seja, a dirigente europeia vai refletir nas leis para combater traficantes de pessoas que fogem da guerra e da miséria depois de a União Europeia ter passado por cima de todas as leis internacionais para fazer a guerra na Líbia e desmantelar o país, deixando o terreno perfeito para os praticantes de todos os tráficos.
Quanto aos imigrantes propriamente ditos que sobreviverem às tragédias no mar dificilmente escaparão à triagem do Frontex, muito mais preocupado em expulsá-los para os países de origem, para as situações de que fugiram – sendo que esta medida viola a Declaração Universal dos Direitos Humanos, coisa de que não é matéria obrigatória, nem facultativa, nos cursos de economia neoliberal, incluindo os tirados por correspondência. Para o acolhimento “solidário” dos imigrantes que escaparem a tudo isto, a União Europeia vai criar um “programa piloto” de integração, ideia que dificilmente encontrará saída no labirinto da burocracia europeia, onde nem sequer ainda entrou. Talvez o objectivo seja esse.
Registemos que as quatro longas horas de reunião foram um favor feito pelos dirigentes europeus aos milhões de seres humanos vítimas de guerras e misérias. O presidente do Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk, foi muito claro quanto a isso: “a Europa não causou esta tragédia, mas não quer dizer que lhe seja indiferente”. Leram bem, sim. Um dos padrinhos do caos ucraniano diz que a Europa não tem culpa nas guerras de que fogem os náufragos. Síria, Líbia, Iraque, Afeganistão, Egito, Mali … A União Europeia tem as mãos limpas destes acontecimentos. A mentira e o absurdo tornaram-se instrumentos privilegiados dos políticos que mandam na Europa.
Como nota final de mais um episódio obscuro da história obscura da União Europeia deixo-vos esta pérola patética do impagável Hollande: “gostaria que tivéssemos sido mais ambiciosos…”. Então o que os impediu?
A arte propagandística da manipulação dos números, usando termos como “triplicar verbas” e insistindo no uso da palavra “milhões”, não resiste a uma avaliação breve dos resultados. Em suma, os chefes dos 28 países – que gastaram longas quatro horas dos seus preciosos tempos à ameaça que paira sobre milhões de seres humanos – decidiram gastar 9 milhões de euros por mês nas operações de patrulhamento do Mediterrâneo através do Frontex, a polícia das fronteiras externas da União, em vez dos 2,9 milhões atuais.
Pois bem, descodificando a multiplicação por três: os 9 milhões correspondem ao que a Itália gasta sozinha na operação Mare Nostrum e, ao contrário desta, que se estende até os limites das águas líbias e tunisianas, restringem-se apenas às águas territoriais dos países ribeirinhos da União, evitando as zonas onde acontecem a maioria dos naufrágios. Recorda-se que o orçamento da União Europeia para 2015 é de 161,8 mil milhões de euros.
Como o preço da vida humana anda de facto muito baixo nas cotações bolsistas, note-se que 9 milhões de euros/mês correspondem a menos de um décimo do orçamento do Frontex, que obviamente tem muito mais que fazer. O seu diretor-geral, Frederice Leggeri, explicou que este corpo “não tem por missão salvar vidas”, e se o faz é apenas por imposição “do direito marítimo”, porque deve dedicar-se, isso sim, a “controlar e triar as entradas de imigrantes irregulares”.
No quadro das decisões tomadas durante a trabalhosa reunião, a chefe da política externa da UE, a italiana Federica Mogherini, foi encarregada de estudar os meios jurídicos a que é possível recorrer, no quadro das leis internacionais, para combater as redes de traficantes de carne humana que medraram como cogumelos no Mediterrâneo depois de a Otan ter “libertado” a Líbia. Ou seja, a dirigente europeia vai refletir nas leis para combater traficantes de pessoas que fogem da guerra e da miséria depois de a União Europeia ter passado por cima de todas as leis internacionais para fazer a guerra na Líbia e desmantelar o país, deixando o terreno perfeito para os praticantes de todos os tráficos.
Quanto aos imigrantes propriamente ditos que sobreviverem às tragédias no mar dificilmente escaparão à triagem do Frontex, muito mais preocupado em expulsá-los para os países de origem, para as situações de que fugiram – sendo que esta medida viola a Declaração Universal dos Direitos Humanos, coisa de que não é matéria obrigatória, nem facultativa, nos cursos de economia neoliberal, incluindo os tirados por correspondência. Para o acolhimento “solidário” dos imigrantes que escaparem a tudo isto, a União Europeia vai criar um “programa piloto” de integração, ideia que dificilmente encontrará saída no labirinto da burocracia europeia, onde nem sequer ainda entrou. Talvez o objectivo seja esse.
Registemos que as quatro longas horas de reunião foram um favor feito pelos dirigentes europeus aos milhões de seres humanos vítimas de guerras e misérias. O presidente do Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk, foi muito claro quanto a isso: “a Europa não causou esta tragédia, mas não quer dizer que lhe seja indiferente”. Leram bem, sim. Um dos padrinhos do caos ucraniano diz que a Europa não tem culpa nas guerras de que fogem os náufragos. Síria, Líbia, Iraque, Afeganistão, Egito, Mali … A União Europeia tem as mãos limpas destes acontecimentos. A mentira e o absurdo tornaram-se instrumentos privilegiados dos políticos que mandam na Europa.
Como nota final de mais um episódio obscuro da história obscura da União Europeia deixo-vos esta pérola patética do impagável Hollande: “gostaria que tivéssemos sido mais ambiciosos…”. Então o que os impediu?
2 comentários:
Excelente texto.
Mariana
Sempre aconselháveis os posts de José Goulão.
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