sábado, 5 de dezembro de 2009

A propósito das alterações climática e da Conferência de Copenhaga

3. Copenhaga: o que vai e o que não vai ser discutido


3.1. Ao longo dos últimos dias a administração norte-americana viu-se forçada, em primeiro lugar, depois de uma indefinição arrastada quanto à presença na conferência de Obama, a representar-se através dele, depois a admitir que ele participaria no início da conferência e hoje que, afinal, participaria no final, quando se tomarem deliberações e ele já vir laureado com o Nobel
A estas mudanças de atitude não foram alheias as sucessivas tomadas de posição dos chamados países emergentes, onde cada um não deixou de querer puxar a brasa ao seu protagonismo, como foi o caso do Brasil, para trazer os EUA a um compromisso que não tinha assinado em Quioto.
A Conferência juntará mais de 15 mil pessoas, com delegações oficiais de 192 países, das grandes multinacionais do petróleo e da energia, e como observadores muitos organismos não governamentais com intervenção nas questões ambientais
É uma conferência, porém limitada a um único dos temas possíveis de serem abordados: a questão das emissões de carbono. Mas deixa de lado a abordagem de outros temas como os efeitos das guerras em curso, a possibilidade de uso de armas nucleares como recursos de “manutenção de paz”, os efeitos das bombas nucleares humanitárias do Pentágono, ou ainda a deliberada manipulação de dados climáticos para fins militares. Relativamente a esta última questão, importa lembrar que Spencer R. Weart, que foi até há poucos meses, e durante 38 anos, director do Centro para a História da Física do Instituto Americano de Física, escreveu em 2008 sobre os estudos que foram feitos depois da 2ª Guerra sobre as formas de modificar o clima, directa e propositadamente, e não apenas como resultado da actividade económica. Quer os EUA quer a URSS, pelo menos desenvolveram projectos e modelos de intervenção de grande envergadura. Para não dispersar o leitor para este desenvolvimento, recomendamos a leitura desse trabalho.
E, como referimos, em posts anteriores não existe, de facto, um consenso na comunidade científica quanto à relação determinante que as emissões de CO2 teriam em alterações climáticas ou que estas estejam a ocorrer de forma dramática, num só sentido, ao contrário do que aconteceu em milhões de anos com evoluções de diferentes sentidos. Em 1996, o Painel intergovernamental sobre Mudanças climáticas (IPCC em inglês) expressou a ideia de que “O balanço dos dados sugere uma influência humana visível do homem no clima global”, que muitos cientistas caracterizaram como uma conclusão abusiva. Abusiva ou não deu o mote para a Conferência de Quioto.
Para Al Gore, para a administração Bush, esta relação estaria mais que demonstrada, chegando a usar o termo “esta discussão está encerrada”. Quando para muitos, pelo contrário, agora é que a questão está a ser aberta porque os cientistas estão mais envolvidos para ultrapassarem um comportamento dos políticos que se tem caracterizado pela desprezo pela ciência, pelo recurso a catástrofes naturais para sustentarem as responsabilidades do factor humano e para substituir a formação de opinião através de recurso a métodos cientificamente validados pela repetição sistemática de slogans e propaganda, não sustentados em conclusões científicas.


3.2. Vários peritos em clima têm avançado que a redução das emissões deveria ser de 25-40% em 2020, relativamente às registadas em 1990, e de 80-95% em 2050.
Mesmo aceitando a relação das emissões de CO2 com alterações climáticas, estas são, antes de mais, um problema social resultante de alterações globais do ecossistema e os delegados em Copenhaga vão ter a responsabilidade de que os cortes de emissões de CO2 não vão constituir factor adicional de descriminação de países que precisam, comparativamente mais que os mais desenvolvidos, de se desenvolver o que, para eles, implica sempre uma maior peso das emissões per capita. Se a China é responsável por 21% do total das emissões, em valores absolutos, os EUA por 20%, a União Europeia por 13%, a Índia por 5%, não pode ser esse o único critério a pesar na distribuição das reduções a efectuar. Se fizermos esse cálculo, em termos relativos à população, per capita, os resultados dos principais emissores de CO2 serão EUA 18,7 toneladas, a UE 7,8, seguidos pela Austrália, Canadá, Arábia Saudita e Rússia, só vindo em 6º lugar a China com 4,6 e a Índia com 1,2, ainda mais atrás. …(1). Para já não falar nos restantes países em, vias de desenvolvimento. Os EUA e a UE são os grandes emissores de CO2 e terão que, por isso e pelo grau relativo de desenvolvimento em relação aos outros, que dar o exemplo.
Os EUA querem que os países emergentes que mais pesam nas emissões (China, India e Brasil), assumam nesta conferência compromissos de redução vinculativos e não voluntários mas será difícil impor este ponto de vista aos restantes países. Os EUA não assinaram a plataforma anterior de Quioto, em vigor até 2012, de impor a 37 países ricos reduções até essa data, por não se ter então exigido compromissos aos países do sul.
As reduções em relação ao ocorrido em 2005 para vigorarem a partir de 2020, que vários países têm anunciado estarem dispostos a fazer, unilateralmente, com vista a uma negociação, são EUA 17%, China 45%, Brasil 39% e a Índia ainda não se pronunciou.
O Brasil, a África do Sul, a Índia e a China deverão apresentar um projecto comum alternativo ao da presidência dinamarquesa, que acompanha a posição de Washington de metas obrigatórias.
Os países que menos responsabilidades têm nas emissões irão receber recursos financeiros e tecnológicos dos mais responsáveis por elas para a “adaptação” a alterações do clima, não tanto como cooperação, mas como forma de os compensar pela necessidade dessa adaptação, como, digamos, pagamento de uma dívida ecológica ou climática, termos que têm sido utilizados por diferentes protagonistas. Há valores desta compensação aos países menos contaminantes que têm sido avançados: 100 mil milhões de euros (de 20 a 50% dos fundos serem públicos e os restantes privados) por ano a partir de 2020. Ainda está em aberto a forma como os países mais contaminantes irão dividir este custo entre si. Ou os mecanismos de distribuição (organismo das Nações Unidas, Bancos Regionais, Banco Mundial?). Ou sob que regime de propriedade intelectual serão feitas as transferências de tecnologias porque a compensação se poderia transformar na ocupação dos mercados por tecnologia estrangeira.
Mas a proposta de Obama quanto às reduções contém um elemento preocupante: assentar no esquema absurdo de um “mercado de carbono”, no qual se basearia a possibilidade de solução para o problema do aquecimento global, quando, de facto, esse esquema iria apenas ser movido pelo lucro e especulação de alguns e arriscaria que a concentração de CO2 se não reduzisse (ver primeiro post que refere artigo de Rui Namorado Rosa). O mercado do carbono, mercado de quotas de emissões permitidas, não é um instrumento eficaz para reduzir emissões e estabilizar o peso da concentração de CO2 na atmosfera.
Como disse hoje à SIC o eurodeputado João Ferreira este mercado, já a funcionar na União Europeia, baseado num esquema europeu de transacções (ETS) está a não dar resultados porque a aquisição de licenças de emissão acaba por ser muito mais barata que a introdução de equipamentos que fizessem reduzir as emissões para não afectar muito o crescimento económico. Mas, além disso, a pretensão de gerar neste mercado activos financeiros, como mais um recurso para prolongar a vida do sistema capitalista, gera uma possível nova geração de bolhas que arrastariam a gestão do clima para o desvario.
Para não nos alongarmos, remeteremos os leitores para o segundo filme de Annie Leonard que explica os mecanismos do mercado de carbono e todos os seus inconvenientes (aproveito para vos encaminhar também para seu primeiro filme, que foi um êxito, e que, espero, alguém creditado para isso possa traduzir, atendendo a que são falados em inglês e de forma muito rápida).


(1) Le Monde, 30/11/09

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