segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Um colóquio interessante sobre as "eleições" de 1969

Realizou-se no passado sábado, na FCSH da U. Nova, um interessante colóquio sobre as “eleições” de 1969, com base em trabalhos de 6 investigadores, cinco do Instituto de História Contemporânea e um outro de Coimbra, bem como de Fernando Rosas, que teve a vantagem, de juntar investigadores jovens que não eram nascidos nesse período e outras pessoas que tinham participado dos acontecimentos, objecto do seu estudo.

O colóquio terminou com uma mesa redonda coordenada por António Reis.

Houve debate e muita informação ali trazida por estes, por José Manuel Tengarrinha, Jorge Sampaio, Joana Lopes (todos de diferentes sensibilidades presentes na CDE), Pedro Coelho (CEUD) e Magalhães e Silva (Comissão Eleitoral Monárquica). Outros participantes, como eu próprio e o Vítor Dias (CDE) contribuíram com as suas reflexões e experiências da época.

Retive, sem com isso pretender resumir-lhes o pensamento, algumas considerações:

José Tengarrinha assinalou que o carácter democrático da CDE também se expressou na orientação, imposta, por um crescente desejo de participação dos activistas, de criar uma vasta rede de comissões de freguesia, concelhias e distritais, do seu carácter electivo bem como o das designação dos candidatos e pela forma participada de construir o programa eleitoral. Isto teve reflexos na preparação e documentos saídos do III Congresso da Oposição Democrática de Abril de 1973 bem como no funcionamento do movimento dos capitães e elaboração do Programa do MFA.

E referiu que os termos da Plataforma de S. Pedro de Moel são um compromisso em várias questões em que não havia convergência entre comunistas e socialistas, como no caso da guerra colonial.

Fernando Rosas defendeu que o marcelismo foi uma efectiva tentativa de liberalização do regime e não pode ser caracterizada como uma fraude. Marcelo rodeia-se de quadros jovens e tecnocratas e apoiou-se em grupos económicos como a CUF para conseguir salvar o regime. Mas, não resultou por causa do papel central da guerra colonial, em que o regime continuou a investir, matando a liberalização.

A abertura do regime contemplou as revisão dos CCTs, a existência de árbitros, a não homologação prévia das direcções dos sindicatos, a extensão da segurança social aos rurais e a ADSE, enquanto mantinha a guerra para ter uma solução política no quadro de uma autonomia branca, uma descompressão da imprensa.

A esquerda radical não participou nas campanhas da oposição. O próprio Fernando Rosas, então na EDE, fora a uma única reunião da CDE com o Arnaldo Matos mas não me lembro nem como, nem porquê,


Jorge Sampaio avançou que a CDE teve um funcionamento democrático, permitiu o debate ideológico, e na construção de um programa com a participação das bases, traduzindo-se numa experiência de cooperação e de relações criadas que muito contribuíram para o meu envolvimento na criação em 1989 de uma coligação de esquerda para a CML.

Recordou a reunião, em que participou, nesse ano, nos arredores de Paris com Cunhal, comunistas, outros socialistas independentes (autodesignação que ironizou...), católicos progressistas, MAR e FPLN e que consagrou a convergência na CDE.

Referiu que aconteceu em 1969 foi premonitório do que iria acontecer depois de 1974.

Magalhães e Silva, que integrava a lista de candidatos monárquicos, referiu que a sua lista representava pequena parte dos monárquicos, que, em geral, eram conservadores e apoiantes do regime. Valorizou o papel de Barrilaro Ruas e de Rolão Preto, parecendo sintetizar o seu pensamento com a frase “A monarquia nasceu na História e morreu na História.” O investigador Edmundo Alves corroborou estas afirmações, fazendo um estudo mais desenvolvido da intervenção monárquica ao longo da resistência.

Joana Lopes disse que os católicos progressistas estavam na CDE e também na CEUD. Em 68 duas questões foram a gota de água para a radicalização do movimento dos católicos progressistas: o que aconteceu com o Padre Felicidade Alves e a demissão colectiva da direcção do Seminário dos Olivais com o Padre Abílio Tavares Cardoso.

Participavam nas bases da CDE mas tinham intervenções autónomas. Foram, instrumentos importantes dessa intervenção os documentos gedoc, Direito à Informação e a Cooperativa Pragma (Tengarrinha lembraria o papel de boletins paroquiais, cerca de oitocentos, publicados em todo o país apenas sujeito à censura eclesiástica e não à do regime, particularmente quanto à guerra colonial).

Quando da reunião em casa de Zenha que confirmou a ruptura da CEUD com a CDE, o Tengarrinha e o Cardia fizeram tudo para evitar a ruptura (Pedro Coelho confirmou que os socialistas preferiam autonomizar-se e não diluir-se noutros).

António Abreu afirmou que Mário Soares e Marcelo Caetano precisaram um do outro para dar crédito à liberalização e ajudar a libertar os socialistas da companhia dos comunistas.

Para ele, os esquerdistas facilitaram a operação de liberalização ao dizerem que o fascismo tinha caído e que agora tudo se limitava à luta anti-capitalista, menosprezando a luta contra a repressão e a conquista das liberdades democráticas. Tiveram, por isso, uma intervenção perniciosa e não contaram, nada nem para a democratização interna da estrutura da oposição nem para o seu programa. O carácter pernicioso não foi subscrito pelo investigador Miguel Cardina que tinha desenvolvido, a partir da criação da FAP, uma intervenção da extrema esquerda que criticava o PCP por só intervir nas campanhas eleitorais e defendia o abstencionistas, a luta anti-capitalista e o recurso à violência.

Abreu disse que os sinais de abertura de Marcelo Caetano não foram oferecidos de mão beijada mas resultaram da pressão das lutas dos trabalhadores e de sindicatos com direcções de confiança dos trabalhadores.

Vítor Dias disse que, sem ilusões os comunistas aproveitaram sempre qualquer abertura política a que o fascismo era obrigado, para abrir a porta metendo um dedo, depois a mão e até o corpo todo.

Citando o livro de Lino Carvalho sobre estas “eleições, confirmou que a lista de candidatos e a comissão política da CDE reflectiam a convergência política realizada, a participação das bases nos respectivos processos electivos. Não confundir o conceito gramsciano de hegemonia com o carácter de esmagamento ou hegemonia imposta – que não existia – na CDE.

Sobre a invocada questão da disputa das hegemonias entre comunistas e socialistas se referiu o investigador João Madeira, sublinhando que, além disso, o PCP prevenira em Abril para a eventualidade de, no decurso doas discussões para uma lista unitária, os socialistas anteciparem a apresentação de uma lista. Este investigador fez ainda referência à reunião do CC publicada no Avante de Setembro de 1969.

Manuel Loff, a partir dos resultados eleitorais, distrito a distrito em 1969 e da afluência registada nos votos contados ao longo dos anos, constatou que quanto mais a oposição participava nos actos eleitorais, menor era o número de votos expressos, certamente porque uma maior fiscalização impedia as grandes chapeladas possíveis quando os agentes do regime estavam sozinhos.

Pedro Coelho afirmou que não percebia porque em 69 não houve unidade. A orientação interna da ASP e do PS era para os socialistas se meterem pouco nas coisas unitárias para poderem verificar o que valiam sozinhos. Mas os resultados de 1969 da CEUD foram desastrosos. Também a investigadora Susana Martins desenvolveu esta postura, referindo que, com Mário Soares, o sector político que influenciava sentia a necessidade de ultrapassar a hegemonia de veneráveis republicanos para ter uma organização à escala nacional que potenciasse a sua influência política.




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