Começaria antes do discurso de Obama por me referir a um disparate numa manchete do Publico de ontem que o trata como "um presidente de esquerda".
A comparação entre designações e posicionamentos políticos dos EUA com os da Europa carecem de fundamento que tal designação não respeita. Considerar que nos EUA o Partido Democrata é de "esquerda" e que o Republicano é de direita revela enorme falta de cultura política.
Primeiro porque as reais comparações, a serem feitas, deveriam equiparar o Partido Democrata aos Liberais e o Republicano a partidos Ultra Conservadores. Por outro porque o sistema eleitoral norte-americano só permite que estes dois partidos disputem os confrontos finais, sendo as esquerdas remetidas para fases anteriores do processo, por muito expressivas que sejam as suas demonstrações públicas e também porque grande parte dos eleitores, particularmente os mais deserdados, deixou de acreditar nesse sistema e remete-se para o abstencionismo, o que não sendo bom, revela um grande handicap na base democrática do sistema norte- americano.
A alternativa a Bush começou a desenhar-se há anos através de várias grandes campanhas. Lembro aqui apenas as prolongadas séries de TV centradas num Presidente negro ou numa Presidenta branca que encaixavam nos esquemas dos detentores do poder económico: Obama, com um passado de ligação com a CIA, e advogado de peso e Hillary, representante duma das famílias desse poder económico.
Mas, voltemos ao discurso de ontem na Câmara dos Representantes (discurso do Estado da União).
O tom geral reflecte um braço estendido aos republicanos ("governação partilhada") depois da derrota "democrata" nas intercalares e a preocupação que a sociedade norte-americana manifesta com o declínio dos EUA no mundo, em curso há vários anos.
Quanto ao seu conteúdo ele dirige-se, no essencial para reforço de investimentos que possam garantir a hegemonia dos EUA no mundo. Nos EUA, onde a crise financeira mundial, Obama está-se nas tintas para o combate ao deficite colossal como o que impõe a outros países- Os que lhe têm estado a subsidiar a crise à custa dos sacrifícios das rrespectivas populações, particularmente os trabalhadores. O que interessa é não ser ultrapassado pela China ou mesmo pela Índia, o que implica um reforço na capacidade comercial mas também deixar cair as consignas sociais que foram o grande motor do "Yes, we can".
O optimismo quanto ao futuro das guerras em que se manteve envolvido, com novos compromissos, não tem correspondência com a realidade. O apoio à revolta na Tunísia (1) deixa antever novas intromissões na política interna desse país, da Argélia ou do Egipto (regimes que até agora apoiava e tinha condicionados pela intervenção do FMI), para tomar o partido da revolta mas garantir, com alterações cosméticas, os grupos dirigentes, os alinhamentos geo-estratégicos e um alinhamento com o que tem feito no Líbano e na Palestina, em articulação com Israel.
Este discurso da União tenta um relançamento de uma imagem perdida. Obama já não significa hoje o que muitos norte-americanos quiseram ver nele. E a paragem do declínio é muito difícil. Não falou de paz mas a guerra está latente como uma fuga para a frente.
(1)A propósito ainda da Tunísia e do papel dos EUA, recomendo ainda a leitura de um artigo de Thierry Meyssan e de um apelo de Hassan Nashrallah.
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