quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Sejamos livres

A entrevista de Medina Carreira, que não vi, mas pelos sublinhados feitos por outros, trouxe-nos uma série de condicionantes, a prazo, para quaisquer ilusões de uma assinalável recuperação da economia.
Medina Carreira tem pontos de vista que não subscrevo, a que eu também poderei chamar condicionantes. Medina Carreira fala na perspectiva da continuidade do “sistema”. Mas é um homem que questiona e chama às realidades, tratando as coisas pelos seus nomes e não capitulando perante a mentira.

Importa retermo-nos nesta questão porque hoje, a propósito da crise financeira, retomam-se pontos essenciais dos trabalhos de Marx, mas deixam-se de pé elementos essenciais deste paradigma, deste sistema, para o qual muita gente, falando da necessidade de um “novo sistema”, mais não faz do que retirar da mesa causas essenciais do declínio do capitalismo não retocáveis pelos voluntarismos ou síndromas do cadáver ainda quente.
Até ao saque a contribuintes e banca do estado, que constituem os planos de apoio às empresas toxicodependentes, se vão chamam “nacionalizações” de bancos…
Para não falar já em que os “salvadores” da toxicidade financeira, como Paulson e restantes banqueiros e políticos, narcotraficantes em aggiornamento, pudessem ser operacionais das mudanças necessárias…
Porém, também há os que, como aqui publicámos há dias pelas palavras de Immanuel Wallerstein, defendem, numa perspectiva não marxista, que “o capitalismo está a atingir o seu fim”, abrindo a possibilidades a outros dois tipos de “sistemas”: um de um capitalismo mais brutal com um recurso superior aos elementos repressivos que o Estado tem desenvolvido (mas a que chama um outro sistema…) e outro, mais nebuloso, que poderá resultar de uma intervenção de cidadania mais acutilante. De facto, o primeiro tipo seria o percurso do capitalismo se o deixassem. Mas não seria um “outro sistema”. O segundo, sim, é o que vai fazer pender o

A luta de classes, a arrumação das forças e classes sociais, a procura de novos paradigmas, o socialismo, são inquestionáveis, e não podem, ser dissociados de Marx.
A natureza do poder democrático, a melhoria das condições de vida, o regresso do Homem ao centro da actividade económica, a redistribuição do rendimento e o crescimento económico assente no alargamento do mercado interno e da procura de perfis adequados à concorrência no comércio externo, o aumento da actividade produtiva em diferentes sectores da economia e da produtividade nomeadamente a decorrente de uma gestão mais consentânea com os desígnios do País, a incorporação da ciência e da técnica na actividade económica e desenvolvimento e a defesa ambiental,
A propriedade pública da água, um, sector misto da economia, uma alteração do modelo de integração das economias europeias, a não subordinação aos EUA e à NATO, a defesa da diversidade de diferentes pólos à escala mundial, o florescimento de uma vida cultural livre do poder dos grandes grupos sobre os media, são algumas das questões diferenciadoras do que entendemos serem alguns dos novos paradigmas e respectivas consequências. O capitalismo não os incorpora, entendamo-nos.

As boas vontades devem assumir a liberdade de assumirem rupturas com os seus quadros condicionados de pensamento, que são uma prisão ao que a humanidade merece e nos pede. Com as inevitáveis rupturas de políticas.

A necessidade crescente do lucro em capitalismo, seja ele resultante da actividade produtiva seja do lucro virtual que o neo-liberalismo defendeu, apoiando-se no aparelho de estado de quase todos os países capitalistas, é um facto objectivo não retocável. Foi o capitalismo que gerou esta deriva para a sua própria expansão. Bush, Brown, EU, Sócrates, até poderão agora querer tirar o cavalinho da chuva com ardentes autos de fé a anónimos prestidigitadores das políticas de Estado que eles dirigiram em benefício da deriva. Mas uma análise séria sobre o que se passou não o permitirá.

Se, como diz Medina Carreira, a disfunção do regime assenta nas deficiências da educação e da educação familiar, importa relevar que essas são consequências de paradigmas e políticas reais do sistema, não verificadas apenas no nosso país.
Se a democratização da educação não serviu, em continuidade, a democratização que poderia gerar outras consequências na emancipação individual, na economia e na cidadania, foi porque, por cima dos sucessivos experimentalíssimos doentios e da desconsideração pelos docentes, o poder político forçou uma política de perseverança zigue-zaguente, na consolidação das desigualdades.
Se a família deixou de poder cumprir um certo tipo de papel, isso deve-se ao desemprego e à precariedade laboral, ao consumismo doentio promovidos pelo poder político, ao domínio dos media por grupos determinados por audiências alimentadas pela violência, ao fabricar de mitos e heróis associados a comportamentos anti-sociais, ao individualismo imposto.
O capitalismo está em condições de fazer melhor? Respondam com franqueza.
E não invoquem o wellfare state do passado quando a partir de Bretton Woods se começaram a montar as defesas contra a atracção popular dos exemplos do socialismo. Nem insistam na queda do Muro de Berlim. O capitalismo, na sua evolução, transporta crimes e violações aos direitos humanos que não deram endurance particular ao sistema.

Uma vez mais: arrisquemos a recusar o que parece óbvio ou inevitável.
Sejamos livres.

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