terça-feira, 24 de junho de 2008

Zona ribeirinha, por salpicodomar (*)

A intervenção é necessária. O projecto em concreto ainda não o conheço. Por isso, vou tecer sobretudo algumas considerações gerais.

Desde há alguns anos, é apregoada como palavra de ordem “Devolver o Tejo aos lisboetas” que, parecendo simpática à primeira vista, encerra no entanto muitos equívocos. O maior deles é considerar que o Tejo foi roubado aos lisboetas por uma entidade, Porto de Lisboa, cuja designação institucional tem variado ao longo do tempo e que agora se chama APL- Administração do Porto de Lisboa. Em contrapartida, essa devolução do rio aos cidadãos deveria corresponder à criação de zonas de lazer em toda a margem norte desde Algés até à foz do Trancão.



Esta visão comporta por um lado um erro histórico: a margem norte do Tejo antes da construção das infra-estruturas portuárias era em grande parte uma lixeira. A regularização das margens pelas obras portuárias teve um aspecto de dar uma cara mais lavada à frente ribeirinha.


Por outro lado, a compreensão pelos cidadãos de Lisboa — e de outras urbes ribeirinhas, Almada, Seixal, Barreiro, Montijo, Alcochete, ... ou mesmo de Portugal no seu todo — da grande riqueza que é possuirmos um porto natural com a amplidão do estuário do Tejo, deve fazer parte da sua cultura de cidadania. Propostas sobre o aproveitamento das zonas ribeirinhas do Tejo que tenham em conta apenas a vertente de lazer e abdiquem de uma actividade económica como a portuária, são uma má oferta para os lisboetas e para o país.



Acho inclusivé que a actividade portuária, à parte os aspectos relacionados com a segurança, necessária tanto no manuseamento de cargas como noutras vertentes como prevenção de criminalidade e terrorismo, comporta em si algo interessante para observação, tanto nos grandes navios de cruzeiro como nos porta-contentores. Barcelona, Marselha, o Pireu, Hamburgo são exemplos de cidades onde parte da actividade portuária é valorizada como uma atracção.


Se devido ao desenvolvimento tecnológico, parte da área afecta à actividade portuária se encontra devoluta, é lógico que não seja a entidade administradora do Porto a decidir do seu futuro. Câmara e Governo, resultantes de processos de eleição popular, têm legitimidade, mas a intervenção dos cidadãos não se esgota (não deve) nas urnas e é importante este debate.


Evidentemente que há projectos que podem ser considerados de “interesse económico” e que acho que são autênticos crimes não de lesa-majestade mas de lesa-público. À volta do Tejo, já vimos o de acabar com a Docapesca por causa da Copa América ou o de construção de arranha-céus nos antigos estaleiros da Margueira.


Nestas grandes tentações, julgo que a nossa autarquia não cairá. Pode é haver a tentação deslizante ir abandonando uma concepção inicial mais ou menos equilibrada, para em nome de “sustentabilidade económica do projecto” fazer cedências a interesses privados. O Parque Expo hoje é já uma caricatura da “recuperação da zona oriental de Lisboa” que nos foi apresentada como o efeito da organização da Expo’98 e é um bom exemplo de quão necessária é a intervenção cívica.



(*) salpico do mar é um velho amigo do IST, de lutas conjuntas e desavindas, que aceitou colaborar no Antreus.


As nossas boas vindas e agradecimento.





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