sexta-feira, 29 de agosto de 2008

a insegurança da segurança

A intenção, ontem anunciada pelo Ministério da Justiça, de legislar para introduzir a prisão preventiva em crimes que utilizem armas é um passo do governo no sentido de atenuar a concentração de críticas na sociedade portuguesa contra a sua política criminal.

Procura ir ao encontro de sentimentos de insegurança resultantes da impunidade de criminosos e de uma maior presença no quotidiano do crime violento.


Mas, na nossa opinião, exige outras medidas.



A abordagem mediática do crime contribui para aumentar a insegurança. Introduz insegurança a transmissão em directo ou em diferido, à exaustão, de imagens do assalto em Campolide e da morte em directo de um dos assaltantes. Das imagens da vídeo-vigilância e de telemóveis. Num ciclo criminoso esta abordagem procura audiências, vende, informando gera perturbação, que por sua vez aumenta as audiências, e assim sucessivamente. Ignorar esta questão, que já é utilizada pelos próprios criminosos para elevarem o seu estatuto social, não é bom.


Os grupos detentores dos media não o ignoram.



Não é, porém esta a questão central.


Essa será sempre a que decorre da política e da gestão das políticas, quando existem e não são apenas erráticas ao sabor dos acontecimentos. E não só das políticas criminais.



O país acompanha um surto recessivo das economias europeias. A alteração de condições de vida dos cidadãos, a precarização do trabalho, o receio da pobreza e a falta de perspectivas são elementos decisivos de insegurança.


Esta situação altera os paradigmas de vida, os comportamentos e valores éticos. Admira-se a corrupção e o cambalacho como formas corajosas de dar a volta por cima a essa insegurança. O criminoso assume-se como herói, apoiando-se na mediatização, e ganha admiração junto de todos quantos assumiram já, em virtude do ambiente criado por políticas neo-liberais, a convicção de que é fácil enriquecer e que, para isso, vale tudo.


Uns arriscam, outros deixam de contar, soçobram à impunidade e alienam-se das responsabilidades cidadãs.


Paralelamente a justiça só funciona para quem dispõe de algum poder.


A base social de apoio a mudanças aumenta mas ela coexiste com silêncios da passividade.


Se não se buscar aqui o cerne da questão, então não há polícia nem política criminal que inverta a situação.


Elas próprias serão, crescentemente, cooperantes mais ou menos passivos deste sistema.



Agora que há correcções a fazer nos meios da justiça, isso há. E, se possível, pressionadas de forma contundente mas também passando a mensagem à sociedade e chamando-a a comprometer-se. São importantes intenções de proceder a reflexões alargadas viradas para influenciar a política.


Ao contrário do que o Ministério da Justiça anteontem referiu, corrigindo interpretações de declarações de um Secretário de Estado, e garantindo que não estão previstas alterações às normas dos Códigos Penal e do Processo Penal, as questões decorrentes da alteração do tempo das investigações e do regime de prisões preventivas e da facilitação à livre circulação sem coacção de criminosos feitos e sem receios têm, que ser corrigidas. Como dissemos a preventiva para crimes com armas é um recuo face à política anterior.


Para este combate ter eficácia, importa que o combate à corrupção e crime de colarinho branco tenha outra consequência.



Estas medidas não podem, poprém, ser porta aberta para tendêncuias desviantes no sentido do empobrecimento da democracia.


Também as duas leis recentemente promulgadas por Cavaco Silva carecem de revisão. Nomeadamente no que toca à figura do secretário-geral partidarizado, com excesso de poderes e interferência na investigação criminal, retirando autonomia ao Ministério Público, e às medidas especiais de polícia à revelia de prévio controlo judicial, que irão ferir direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.


Importa que a segurança não se torne, cumulativamente, um novo factor de insegurança na sociedade portuguesa.

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