sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O que se ignora sobre o grupo Bilderberger, por Thierry Meyssan - 1

A ideia de que o Grupo de Bilderberg é um embrião de governo mundial tem vindo a espalhar-se desde há muitos anos. Por ter tido acesso aos arquivos desse clube tão secreto, Thierry Meyssan assinala que essa imagem é uma pista falsa destinada a mascarar a verdadeira identidade e a real função do Grupo: o Bilderberg é uma criação da NATO. O seu objectivo é convencer os líderes e manipular através deles a opinião pública para a levar a aceitar os conceitos e as acções da Aliança Atlântica.
Desde 1954, una centena de eminentes personalidades da Europa Ocidental e da América do Norte reúnem-se anualmente – à porta fechada e sob condições de rigorosa segurança – no seio do Grupo de Bilderberg. A reunião dura 3 dias e nada se publica sobre os temas tratados.
Depois do desaparecimento da União Soviética, alguns jornalistas começaram a interessar-se pelo Grupo de Bilderberg. Vários autores viram nele o embrião de um governo mundial e das principais decisões políticas, culturais, económicas e militares da segunda metade do século XX, uma interpretação que Fidel Castro retomou. Nada permite, no entanto, confirmá-la ou desmenti-la (ver artigo a respeito sobre a Nova Ordem Mundial para ter uma ideia do que isto implica).
Com desejo de perceber o que realmente é, e o que não é o Grupo de Bilderberg, dei-me ao trabalho de buscar documentos e testemunhos. Tive acesso a todos os seus arquivos correspondentes ao período que vai desde 1954 até 1966 e a muitos documentos posteriores e pude conversar com um dos seus antigos convidados, que conheço de há muito tempo. Nenhum jornalista, nem mesmo os bem-sucedidos autores que popularizaram os actuais clichés, tiveram acesso a tantos documentos internos do Grupo de Bilberberg.
Eis aqui o que consegui descobrir e compreender.

A primeira reunião

Setenta personalidades provenientes de 12 países participam em 1954 na primeira reunião do Grupo, um seminário de 3 dias, de 29 a 31 de Maio, que se desenrolou perto de Arnhem, nos Países Baixos. Os convidados repartiram-se entre dois hotéis vizinhos mas os debates desenvolveram-se no estabelecimento principal por cujo nome ficou conhecido o Grupo.
Os convites, feitos em papel timbrado do Palácio de Soestdijk (uma das quatro residências oficiais da família real dos Países Baixos - Nota do Tradutor,) apresentam termos bastante vagos: «Teria muitíssimo prazer com a sua presença no congresso internacional, sem carácter oficial, que terá lugar nos Países Baixos em fins do mês de Maio. Este congresso visa apreciar um certo número de questões de grande importância para a civilização ocidental e tem como objectivo estimular a goodwill (em português, “boa vontade”) e o entendimento recíprocos graças à livre troca de pontos de vista». Os convites tinha a assinatura do príncipe consorte dos Países Baixos, Bernhard zur Lippe-Biesterfeld, e vinham acompanhados com várias páginas informativas de carácter administrativo sobre o transporte e o alojamento. O máximo que permitiam perceber é que haveria delegados dos Estados Unidos e de 11 Estados de Europa Ocidental e que se realizariam 6 sessões de trabalho de 3 horas cada.
Dado o passado nazi do príncipe Bernhard, que foi membro da cavalaria SS até ao seu matrimónio, em 1937, com a princesa Juliana, e o contexto do mccarthysmo daquela época, resulta evidente que as «questões de grande importância para a civilização ocidental» têm que ver com a luta contra o comunismo.
No próprio lugar do encontro, os dois presidentes da reunião – o empresário norte-americano John S. Coleman e o ministro cessante de Relações Exteriores (Negócios Estrangeiros), da Bélgica Paul van Zeeland – atenuam a dúvida dos convidados. Coleman é um militante do livre mercado enquanto que o ministro Van Zeeland é um partidário da Comunidade Europeia de Defesa. Finalmente, os participantes verão, num extremo da tribuna, Joseph Retinger, a eminência parda dos britânicos. Tudo parece, pois, indicar que as monarquias holandesa e britânica apadrinharam a realização da reunião em apoio à Comunidade Europeia de Defesa e ao modelo económico de capitalismo de mercado livre por oposição ao antiamericanismo que promoviam comunistas e gaullistas.
As aparências, no entanto, são enganadoras. Não se trata de fazer campanha a favor da CED, mas sim de mobilizar as elites a favor da guerra fria.

A personalidade escolhida para convocar os convidados foi Sua Alteza Real o príncipe Bernhard , porque a sua condição de príncipe consorte lhe outorgava um carácter de Estado, sem ser no entanto oficial. Por detrás dele escondia-se o verdadeiro promotor do encontro: uma organização intergovernamental interessada em manipular os governos de alguns dos Estados que a compunham.
Naquela altura, John S. Coleman ainda não se tinha convertido em presidente da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, mas acabava de criar o Comité de Cidadãos por uma Política Nacional de Comércio (Citizen’s Committee for a National Trade Policy, CCNTP). Afirma que a liberdade de comércio absoluta, ou seja a renúncia a todos os direitos aduaneiros, permitiria aos aliados dos Estados Unidos aumentar a sua própria riqueza e financiar a Comunidade Europeia de Defesa, leia-se empreender o rearmamento da Alemanha e integrar o seu potencial militar na NATO.
Os documentos significativos em nosso poder demonstram, no entanto, que o CCNTP a única coisa que tinha de “cidadão” era o nome. Trata-se na realidade de uma iniciativa de Charles D. Jackson, conselheiro da Casa Branca encarregado da guerra psicológica. À cabeça da operação encontrava-se William J.Donovan, o ex-chefe da OSS (o serviço de inteligência norte-americano criado durante a Segunda Guerra Mundial), agora encarregue de criar a divisão norte-americana do novo serviço secreto da NATO, o Gládio.
Paul van Zeeland não era só o promotor da Comunidade Europeia de Defensa. Era também um político com muita experiência. No fim da ocupação nazi presidiu à Liga Independente da Cooperação Europeia (LICE) que tinha como objectivo a criação de uma união aduaneira e monetária, organização que foi instaurada pelo já mencionado Joseph Retinger.
O próprio Retinger, que funciona como secretário no encontro de Bilderberg, serviu durante a guerra nos serviços secretos ingleses (SOE) do general Colin Gubbins. No Reino Unido, Retinger, um aventureiro polaco, foi conselheiro do governo de Sikorski no exílio. Em Londres, protagonizou o microcosmo dos governos criados no exílio, o qual lhe proporcionou múltiplos contactos na Europa libertada do fascismo.
O seu amigo Sir Gubbins abandonou oficialmente os serviços secretos britânicos e o SOE foi dissolvido. Dirigia então uma pequena empresa de tapeçarias e produtos têxteis que lhe servia de «cortina». Na realidade, Gubbins estava encarregue da criação da divisão inglesa da Gládio. Depois de ter participado em todas as reuniões preparatórias do congresso de Bilderberg, esteve entre os convidados, sentado ao lado de Charles D. Jackson. Os participantes ignoravam que tinham sido de facto os serviços secretos da NATO que realmente deram origem ao encontro de Bilderberg. O príncipe Bernhard, Coleman e Van Zeeland serviram de fachada. (continua)

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