sábado, 4 de agosto de 2012

Na morte de Horácio Rufino


Para quem conheceu Horácio Rufino, a notícia da sua morte doeu.
O funeral realizou-se hoje no cemitério de Benfica.


Conheci-o antes do 25 de Abril, no movimento associativo estudantil e no movimento democrático, particularmente em acções juvenis regionais e nacionais. O Horácio era um jovem corajoso, de grande firmeza, um dos quadros comunistas mais destacados da juventude trabalhadora, a que juntarei, sem esquecer outros, Álvaro Pato, Pedro Soares, Armando Sousa Teixeira ou o Vítor Dias, este destacado cedo para outras frentes do combate. Do blogue do Vítor retirei esta fotografia onde o Horácio Rufino está à esquerda, de camisola verde.
Do Armando Teixeira, transcrevo parte do que agora escreveu sobre ele. O Armando, que há anos publica memórias da resistência ou da guerra colonial, fazia parte comigo e como Carlos Pimenta do organismo do PCP, melhor, das suas organizações estudantis para as áreas do que foi a Universidade Técnica, com organismos em escolas "superiores" e também do então chamado "ensino médio", que incluía os Institutos Industrial e Comercial de Lisboa. Preso em 1972, e barbaramente torturado pela PIDE, o Horácio Rufino não vacilou perante o inimigo mas foi condenado e estava preso em Caxias no 25 de Abril de 1974.

"(...) É assim que recordo o Horácio "do Comercial", entusiasta e voluntarioso nas tarefas e nos objectivos, cordial e muito persistente a juntar as pontas tantas vezes hesitantes nos caminhos subterrâneos da liberdade. Naqueles finais da década de 60, em que a associação de estudantes do Industrial (a ADAIIL para quem já não se recorde!...) era um bastião revolucionário  num mar de esquerdismos inconsequentes, o Horácio Rufino vinha muitas vezes ter connosco (o Comercial não tinha associação), para uma conversa fraterna e pedagógica sobre a luta estudantil e o movimento associativo, onde travávamos uma luta luta terrível contra a repressão fascista e tremenda contra o verbalismo  e a provocação gratuita ( e muitas vezes pidesca e criminosa).
  O Horácio era então o elo mais experiente naquele mar revolto de ideias, de dúvidas, de aprendizagens muito rápidas, num dia a dia de novas responsabilidades, de angústias e de preocupações,de esforçado equilibrio na procura das orientações mais sensatas e na conjugação das diferentes sensibilidades, porque nem todos eramos comunistas ( bem poucos por sinal!). Como um irmão mais velho, o jovem alto e magro, de cabelos claros à luz das manhãs que não cantavam, mas que iniciavam mais um dia de esperança num futuro diferente e novo, que estávamos absolutamente convencidos de estar a construir, tinha sempre uma ideia ,  uma experiência para contar, uma resposta fraterna.
  Com esse sentimento de fraternidade, víamos o Horácio Rufino sucumbir ao cansaço de uma noite inteira de trabalho, (certamente de uma reunião ou de uma tarefa algures na cidade clandestina), escorregar no sofá em que se tinha sentado e adormecer profundamente,  confortado pela ideia de estar entre irmãos de combate e entre gente de confiança.
  Relativa já se sabia, em tempo de abutres e aventesmas que espiavam a soldo do regime fascista e repressivo:
  - Ó menina Fernanda! Entrou para aqui um senhor que não pertence cá à escola, pois não!?
  - Ó senhor Silva, é um novo colaborador da Associação!
  - Ah!  Eu não o conhecia!...Mas o senhor director tem de saber! - rematava no tom cínico de informador pidesco o contínuo Silva, que estava de serviço ao portão dos fundos , abrindo para a rua de São Ciro, por onde o Horácio entrara naquela manhã. Aquela abertura era uma conquista da Associação! 
  - Isso é com a direcção da associação, senhor Silva! Não tenho nada com isso! - respondia a simpática Fernandinha, empregada da secretaria, industriada sobre a situação, antes da porta da sala se fechar à chave, resguardando o descanso daquele justo. Pelo menos durante uma horita, mais também dava nas vistas.
   Horácio Rufino, que a tua memória nos inspire nas batalhas do presente e, os comuns ideais de juventude, frutifiquem num futuro certamente distante mas irrevogável."

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