Na mesma ocasião em que Pedro Passos Coelho se reunia com vistoso grupo de economistas, uma das televisões quis saber o que pensam os portugueses da actual situação.
Uns murmuraram a sua atroz ignorância, outros a sua melancólica indiferença. Até que uma mulher de idade avançada, com a desconfiança pregada nos olhos e a sabedoria procedente de todas as agruras, respondeu: "Não acredito em nada nem em ninguém. Eles estão lá para se encher."
É o sentimento geral. A impotência associada à resignação; seja: o pior que pode acontecer a uma sociedade, abjurante das virtudes do civismo. Não é só o rotativismo de poder, disputado entre, apenas, dois partidos, que causa esta indolência moral. É a péssima qualidade intelectual dos políticos. É a clara evidência de que dividem o "bolo" entre eles, substituindo-se nas administrações, nos bancos, nas grandes empresas, aumentando os vencimentos a seu bel-prazer, auferindo-se bónus e mordomias escandalosos. Vem nos jornais. Nada do que digo ou escrevo é resultado de qualquer rancor: factos são factos.
Pedro Passos Coelho ouviu, daqueles santos sábios, o que queria ouvir. E eles também não queriam ou não sabiam dizer outra coisa. Isto anda tudo ligado, e as relações políticas, entre aparentes adversários, são grandes rábulas, alimentadas pelo embuste e pela mentira. Penso, no entanto, que o presidente do PSD devia escutar vozes dissonantes, opiniões divergentes que permitissem uma análise mais clara e acertada. Claro que não é só Passos Coelho que ouve o que deseja ouvir. Todos os outros dirigentes, Sócrates incluído, e na primeira linha, seguem a música de idêntica mazurca.
Os sábios que se reuniram com Sócrates são muitos daqueles que pertenceram a governos execráveis, culpados de tudo o que de pior nos tem acontecido. Quase todos eles detêm reformas de luxo, duas e três, e atrevem-se a debitar, para as televisões, patrióticas lições salvíficas. Uma vergonha! Um deles, com deficiências de fala e escuma aos cantos da boca, trabalhou seis meses no banco do Estado e recebe uma reforma vitalícia de três mil e seiscentos contos (moeda antiga) pelo denodado esforço desenvolvido. Cito-o com frequência por entender que o cavalheiro é o retrato típico de uma situação abominável.
Quem pode acreditar em gente deste jaez e estilo? Em gente desavergonhada que tem, escancaradas, as televisões, para dizer sempre o mesmo, ou seja: coisa alguma de importante.
Afinal, de que falaram os quase vinte sábios? Com a soberba que os caracteriza, indicaram os mesmos remédios para a superação da crise: cortes nas despesas da saúde, da educação, e da previdência; rebaixamento de salários na função pública; acaso a supressão do décimo terceiro mês; redução nas pensões, aumentos nos medicamentos. É o pacote consuetudinário sugerido por quem, de facto, não dispõe de outras ideias e soluções que não sejam as do breviário neoliberal. A OCDE, considerava "muito credível", veio rezar semelhante litania. E ai de quem a desmonte! É logo considerado comunista ou afim. Um pouco de decência não faria mal.
Observe-se os rostos desta gente. Atente-se no que dizem, prometem, formula. Não conseguem mobilizar ninguém, nem concentrar emoções ou sentimentos, exactamente porque os não possuem. No começo da revolução de Abril, o Governo lançou um alerta e um apelo: Um Dia de Trabalho para a Nação. O País aceitou o pedido e a invocação. E foi um belo momento de unidade nacional, uma acção colectiva de patriotismo e de esperança absolutamente inesquecível. E só a má-fé ou a má consciência podem distorcer o que foi um extraordinário acontecimento político e social.
As frases daquela mulher, na televisão, ressoam como uma tragédia: "Não acredito em nada nem em ninguém. Eles estão lá para se encher." E a verdade é que o enriquecimento surpreendentemente rápido de muitos deles; a pesporrência arrogante da esmagadora maioria desses senhoritos é mais do que desacreditante: é sórdido.
Os jornais e as revistas, de vez em quando, publicam os nomes, os rendimentos, as casas luxuosas, os iates, os carros topo de gama dos que nos exigem sacrifícios, suor, renúncia, abnegação. Exigem mas não praticam. E, se o fazem, as beliscaduras nas suas fortunas são tão delicadas, tão suaves que eles nem dão por isso. Quando se tira a um reformado o mais escasso dos cêntimos as dificuldades que daí advêm são de tal monta, e as consequências imediatas são terríveis.
Os sábios que foram dizer a Passos Coelho o que este, comovidamente, queria ouvir, não estão ao lado de quem sofre e está na mó de baixo. A indiferença nunca ocultada, a ganância jamais dissimulada, o luxo em tempo algum encoberto (bem pelo contrário) constituem eloquentes testemunhos da casta a que pertencem. Portugal continua a ser, como escreveu João de Barros, "país padrasto e pátria madrasta" - para muitos, bem entendido, e "ridente torrão de malandros" [ Filinto Elísio, "Sátiras"] para os que se ajustam.
domingo, 17 de outubro de 2010
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1 comentário:
Ele que tem ouvido tanta gente, será que já ouviu aqueles grandes banqueiros do PN e do BPP?
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