2. A miragem da “guerra boa”
Tariq Ali, académico paquistanês e colaborador regular do The Guardian, na edição da New Left Review de Março-Abril, recordava os últimos anos deste país, martirizado por uma sérieconsecutiva de guerras. Transcrevemos apenas o início e o fim desta reflexão que aconselhamos ser lida integralmente aqui.
Para o autor, raramente se verificou uma convergência internacional como a que ocorreu na invasão do Afeganistão em 2001.O apoio à guerra foi unânime nas chancelarias ocidentais, mesmo antes dos seus objectivos e parâmetros estarem definidos. Os governos da NATO apressaram-se a afirmar “todos por um”. Blair deu a volta ao mundo defendendo a “doutrina da comunidade internacional” e a oportunidade de construir a paz e erguer uma nação no Hindu Kush. Putin saudou as bases americanas instaladas nas fronteiras meridionais da Rússia. Todos os grandes partidos de governo apoiaram a guerra. Todas as grandes redes de comunicação social – com a BBC e a CNN à cabeça – foram os seus megafones. Ara os Verdes alemães, assim como para Laura Bush e Cherie Blair, era uma guerra pela libertação das mulheres do Afeganistão (1). Para a Casa Branca, um combate pela civilização. Para o Irão a derrota pendente do inimigo Wahhabi.
Três anos mais tarde, à medida que o caos se aprofundava, o Afeganistão, em, termos comparativos, tornou-se “a guerra boa”. Tinha sido legitimada pelas Nações Unidas, apesar de a resolução só ter passado depois das bombas da NATO terem caído sobre o país. Se no seio desta e no caso do Iraque se delinearam diferenças tácticas, elas esbateram-se no caso do Afeganistão. Primeiro Zapatero, depois Prodi, depois Rudd compensaram a saída de tropas do Iraque com o seu envio para Kabul (2). A França e a Alemanha puderam fazer a exaltação das suas forças de paz e do seu papel civilizador. À medida que aumentavam no Iraque os suicidas bombistas, o Afeganistão era agora, para que os democratas pudessem afirmar as suas credenciais “de segurança”, a “verdadeira frente” da guerra ao terror, apoiada por todos os candidatos presidenciais americanos à disputa de 2008, com o senador Obama a pressionar a Casa Branca a violar a soberania paquistanesa sempre que isso fosse necessário. Com diferentes graus de firmeza, a ocupação do Afeganistão foi também apoiado pela China, pelo Irão e pela Rússia. Apesar de neste último caso, existir sempre uma forte componente de Schadenfreude. Os veteranos soviéticos espantados em ver os seus eros a serem cometidos agora pelos EUA numa guerra ainda mais desumana que a antecedente, espantaram-se por os EUA ainda estarem a fazer pior que eles.
Há, pelo menos, duas vias para sair do impasse.
A primeira, e a pior delas, seria a balcanização do país. Este parece ser, de momento, o padrão dominante da hegemonia imperial. Mas, há que ter em conta que, se os Curdos no Iraque e os kosovares e outros na ex-Jugoslávia tinham clientelas nacionalistas, a semelhança com os papéis que Tajiks e Hazaras é aqui muito remota. Alguns responsáveis de serviços secretos norte-americanos discutiram informalmente, há algum tempo, a criação de um estado Pashtun que unisse as tribos e acabasse com a Linha Duran, mas isto desestabilizaria o Afeganistão e o Paquistão a tal ponto que as consequências eram imprevisíveis. Aparentemente a ideia não teve apoiantes em ambos os países.
A via alternativa exigiria a saída de todas as tropas americanas, antecedida ou seguida por um pacto que garantisse a estabilidade do Afeganistão nos dez anos seguintes. O Paquistão, o Irão, a Índia, a Rússia e, possivelmente a China podem garantir e apoiar um governo nacional que funcione, empenhado em garantir a diversidade religiosa no Afeganistão e criar um espaço em que os habitantes possam respirar, pensar e alimentar-se todos os dias. Seria necessário um plano económico-social sério para reconstruir o país e garantir as necessidades básicas à sua população. Isto não seria apenas do interesse do Afeganistão mas seria visto como tal pelo seu povo que está exausto física e moralmente por décadas de guerras e de ocupações.A violência, arbitrária ou deliberada já se prolongaram demasiado. Querem que o pesadelo acabe e que não seja substituído por horrores de outros tipos. Os extremistas religiosos teriam pouco apoio popular se rompessem uma paz negociada e começassem a jihad para recriar o Emirato Taliban do Mullah Omar.
Mas a ocupação norte-americana não facilita este objectivo. Os falhanços que eram de prever deram nova vida aos talibans e, crescentemente, os Pashtuns estão-se a unir por detrás deles. Apesar dos Talibans serem completamente identificados com a al-Qaeda nos meios de comunicação social ocidentais, muitos dos seus apoiantes guiam-se, porém, por preocupações de natureza local. A sua evolução seria mais próxima à dos islamitas integrados no Paquistão se os invasores saíssem.A saída da NATO iria favorecer um processo de paz sério. Também poderia beneficiar o Paquistão, com o abandono pelos seus líderes militares das loucas concepções do “caminho estratégico” e uma visão da Índia, não como um inimigo, mas como um possível parceiro na criação de uma rede regional coesa, onde muitas questões contenciosas se poderiam resolver.
Serão os líderes militares e políticos do Paquistão capazes de deixarem de coçar as suas feridas e de fazerem o seu país andar para a frente? Washington permitir-lhes-ia isso? A solução é política e não militar. E reside na região e não em Washington ou Bruxelas.
1) De facto o único período em que foram garantidos às mulheres os mesmos direitos e a educação foi entre 1979 e 1989, com o governo do PDPA, apoiado por tropas soviéticas. Repressivo a vários níveis, conseguiu, porém, na saúde e na educação reais progressos, tal como no Iraque tinha acontecido com Saddam. Daí a nostalgia por esse passado entre as camadas mais pobres da sociedade em ambos os países.(2) Ao visitar Madrid, depois da vitória eleitoral de Zapatero, em Março de 2008, um alto funcionário do governo disse-me que tinham considerado a saída total do Afeganistão meses antes das eleições mas que os EUA manobraram. Prometeram à Espanha que um seu responsável militar seria nomeado comandante das forças da NATO, mas que a saída de Kabul iria afastar essa possibilidade. A Espanha recuou, para descobrir depois que tinha sido enganada.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
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