O arranque de Jean-Claude
Juncker como presidente da Comissão Europeia foi comprometedor e agora
tornou-se penoso com a divulgação do escândalo sobre benefícios fiscais dados
pelos seus governos no Luxemburgo a monopólios transnacionais enquanto os
cidadãos europeus penam com as de austeridade.
Segundo
o consórcio internacional de jornalistas ICIJ, os governos do Luxemburgo
presididos por Jean-Claude Juncker, que ao mesmo tempo era presidente da Zona
Euro, negociaram taxas fiscais anuais ínfimas, da ordem dos 2% mas que em
alguns casos foram mesmo de 1%, com grandes empresas transnacionais como o
IKEA, a Amazon, a Pepsi, o empório norte-americano de Tabaco British American
Tobacco, a AIG, o Deutsche Bank, enquanto a taxa fiscal no país é de 28,6%. Os
jornalistas baseiam a sua denúncia em milhares de documentos que podem ser
consultados no dossier que elaboraram. Segundo essas fontes, os enormes
benefícios fiscais estão contidos em pelo menos 548 acordos envolvendo no
mínimo 340 empresas, entre as quais a maioria dos nomes sonantes que acumulam
lucros fabulosos e figuram entre os que tiraram maiores proveitos com a crise
em que sobretudo a Zona Euro está
mergulhada. .
As primeiras reacções de Juncker “são catastróficas”, diz-se no interior da
Comissão, onde os eurocratas da nova equipa ainda estão a instalar-se. O facto
de a sua porta-voz, Margaritis Schinas, se ter escusado a comentar o assunto e
também o cancelamento da presença do presidente da Comissão num seminário
ironicamente dedicado “ao futuro da Europa”, foram as piores reacções que o
ex-primeiro ministro luxemburguês poderia ter. A porta-voz limitou-se a
declarar que “o Sr. Juncker está muito tranquilo”. Formalmente, o
presidente da Comissão Europeia fez saber que não será ele próprio a investigar
o assunto, mas sim a comissária da Concorrência.
“Isso é um formalismo para pacóvio
consumir”, revela a título particular um alto funcionário da Comissão. “É óbvio
que o Sr. Juncker será juiz em causa própria e tudo fará, como os primeiros
indícios desde já revelam, para fazer crer que os negócios de que beneficiam as
grandes empresas estão previstos nas leis e cumprem a preceito as normas da
concorrência, tratando-se tão somente de uma questão de competitividade”,
acrescenta o alto funcionário
“O Sr. Barroso deixou a presidência
da Comissão a contas com um problema mal explicado, e ainda em averiguações, de
submissão a lobbies tabaqueiros; e agora entra o Sr. Juncker trazendo para o
interior das instituições europeias um problema gravíssimo de desequilíbrio
entre as vantagens das empresas e os sacrifícios exigidos aos cidadãos. Depois
admiram-se de que as pessoas não se revejam na Europa”, afirma ainda o alto
quadro da Comissão
Europeia.
No Luxemburgo as opiniões
dividem-se. O sucessor de Juncker na chefia do governo, o liberal Xavier
Bettel, garante que os acordos “respeitam as normas nacionais e internacionais”
e que o seu executivo “está comprometido com a equidade”. Nicolas Mackel, chefe
executivo da Luxembourg for Finance, limita-se a argumentar que “o sistema de
impostos no Luxemburgo é competitivo”.
“Nós, os que trabalhamos no duro, é
que não conseguimos benefícios desses, não há competitividade que nos valha”,
argumenta Isabel Marques, imigrante portuguesa há mais de 20 anos que começou
nas limpezas e que “mal consegue ir equilibrando o barco” com o seu pequeno estabelecimento.
“Impostos, impostos e mais impostos, exigências e mais exigências, lá fora
diz-se que os nossos salários são elevados, e são se os compararmos com os de
outros países, mas os impostos que nos sugam também não têm comparação; e a
nós, os pequenos, os imigrantes, não nos fazem acordos para pagar 2% de
impostos”, acrescenta
Isabel.
Em Bruxelas, na quinta-feira, uma
gigantesca manifestação sindical e popular surpreendeu mesmo os mais cépticos.
Pela primeira vez a polícia esteve de acordo com os organizadores em calcular
as presenças em cerca de 100
mil.
“Estamos aqui para exigir ao
primeiro-ministro Charles Michel, por exemplo, que corte nos benefícios às
grandes empresas, nas mordomias financeiras e não nos nossos salários e
direitos”, desabafou Martha lamentando “a brutal perda de poder de compra que
nós os belgas estamos a sofrer como em tantos outros
países”.
“E se esta mobilização não der os
resultados que exigimos avançaremos para a greve geral em 15 de Dezembro”,
acrescentou a jovem mãe de família:
“A Europa está a ser
governada por um bando de gente sem moral trabalhando apenas para os lucros das
grandes empresas sem pátria e para as mafias financeira, enquanto explora os
cidadãos sem dó nem piedade”, de acordo com Joseph Ackerman, cidadão alemão que
trabalha na capital belga. “Quer coisa mais revoltante”, perguntou, “do que
saber que um grupo como o Deutsche Bank, que é um sustentáculos da política que
Merkel impõe a toda a Europa, sobretudo aos mais pobres, beneficia de impostos
inferiores a 2% negociados com o governo do Luxemburgo? Isto é legal? Nada
disso: isto é uma burla, e das grandes… E o que faz a polícia?" -
prossegue Joseph no caminho das interrogações. "O que está a ver-se:
carrega sobre os manifestantes enquanto os verdadeiros, os grandes criminosos
estão à solta e muito bem na vida".