quarta-feira, 23 de maio de 2012

Pinote

Era 5ª feira e a lota estava preparada para receber o pescado.


Foram doze os barcos que partiram, doze os que regressaram. Nem sempre era assim.

O "Amor de mãe" abriu as redes na praia e o peixe saltava. Era a cavala, que pouco se vendia, a não ser as de maior porte.

A canalha pulava com sacos de plástico e empurrões a disputar as cavalas desprezadas.

Alguns eram verdadeiros heróis da faina quando corriam para a mãe, esganiçados à espera dum louvor

"Ó mãe, temos peixe para hoje e para congelar. Achas que chega?"

Respondia-lhe ela "Ai queres a medalha? Assim também eu! Quem deu ao litro foi o Zé da Chica mais os seus homens. Mas deixa lá ver isso."

E separava-os em sacos mais pequenos. Estas cozem-se ou escalam-se no fogareiro. Estas aqui dão para uma caldeirada mas temos que ir à sardinha.

Olha, Pinote, esses aí são tão pequenos que só mesmo para farinha. Tens que os dar para o avô".

"Mas falta a sardinha. Vai lá vêr se convences o Zé".

O gaiato não se fez esperar. Correu e agarrou-se às grandes botas do Zé. A mãe via-o gesticular com o pescador, a quem ela tinha dado de mamar por insuficiência dos peitos da D. Josefa. Mulher do bairro, como eles, aspirou a outros caminhos para o filho. Mas o Zé seguira a inclinação dos outros miúdos e entregou-se ao mar e ao pescado. Depois de grande discussão em que ouvia "Diz lá à tua mãe que se quer sardinha paga-a. Por esta passa, toma lá..." O Pinote levantou a camisa e fechou a sardinha nela como se um saco fosse. O Zé entregou-se a outras tarefas e a levar o peixe de tractor para a lota. E já o Pinote enchia um saco de plástico caído com uma segunda dose, desta vez roubada.

Ala que se faz tarde, pareciam dizer as pernas correndo, num equilíbrio difícil, para o pé da mãe.

A tarde já caíra e o Pinote de sacos às costas seguia ao lado da mãe mas com um ar triunfante. Passou pela Bela, ex.namorada que se convencera com as falinhas mansas de um betinho, e atirou-lhe à cara "O que achas? O teu Francisquinho era capaz disto?".
Jantaram e o Pinote contou histórias fantásticas ao pai até cair no seu colo.

5 comentários:

Anónimo disse...

Vivo esse Pinote! :)
Muito bonito o texto!

Abraço

Maria

Anónimo disse...

Belo texto!
MG

Graciete Rietsch disse...

Lindo!!!!

Um beijo.

António Abreu disse...

À Maria, ao MG e Graciete agradeço os comentários. Vão escrevendo as vossas estórias, que vos fizeram crescer.

Anónimo disse...

Nada a agradecer. Assim farei!!

M