Sobre o 25 de Abril em Portugal tecem-se os mais contraditórios comentários. E agora mais do que seria de esperar, dado que já decorreram quase 40 anos sobre a Revolução dos Cravos. Parece existir a pretensão de justificar as dificuldades recentes com os acontecimentos revolucionários de então: a Revolução teria originado um ´catastrófico declínio da actividade económica’, e conduzido o País ‘à beira do caos, a um ‘passo do desastre’, etc. No entanto houve opiniões de eminentes professores do MIT que reconheceram que no início de 1976 a economia portuguesa estava ‘surpreendentemente saudável’, com resultados não muito diferentes dos do resto da Europa.
A evolução do produto interno bruto
Na tentativa de entendermos o que terá originado tão diversas opiniões, comecemos por analisar o gráfico que se segue. No eixo da abcissas indicam-se as datas, os anos que decorrem entre 1960 a 2010, e no eixo das ordenadas os logaritmos na base 10 dos correspondentes produtos internos brutos a preços constantes em Portugal (retirados da PORDATA) . Neste gráfico o produto interno bruto de cada ano em euros é dado pela potência de base 10 e expoente igual à ordenada do ponto correspondente a esse ano, e a taxa de crescimento anual pela inclinação da recta tangente ao gráfico nesse ponto. 1
A inclinação da recta traçada no gráfico corresponde a uma taxa anual igual à taxa média de crescimento do produto interno bruto entre os anos de 1960 e 1980. Como se observa no gráfico a taxa anual de crescimento do produto interno bruto manteve-se praticamente constante e a um valor bastante elevado durante este período, não tendo esse valor sofrido qualquer alteração sensível devida aos acontecimentos revolucionários de 1974-75 2. Os professores do MIT tinham razão, e se essa taxa se tivesse mantido depois de 1980, a produção em 2010 seria superior a 2 vezes e meia a que realmente existia nessa data: corresponderia à diferença entre um país rico e um país pobre 3.
O valor constante da taxa de crescimento desde 1960 a 1980 não significa que o aparelho produtivo do País não tivesse sofrido profundas alterações (recordam-se as nacionalizações, a Reforma Agrária, etc.) e que a distribuição da riqueza acumulada fosse a mesma: muito provavelmente o aumento da produção antes do 25 de Abril terá servido de sustento à guerra colonial e ao enriquecimento de alguns; com a Revolução contribuiu para o desenvolvimento de Estado Social Português, uma das grandes Conquistas da Revolução; acompanhando este desenvolvimento, aumentou o consumo, aumentaram os salários e de uma forma geral, o rendimento nacional.
O 25 de Novembro e a Contra-Revolução
O golpe de 25 de Novembro de 1975 porém, abriu novas perspectivas à contra-revolução, que pouco a pouco foi conseguindo travar o passo à Revolução, pondo em causa todas as Conquistas alcançadas: as Nacionalizações, a Reforma Agrária, o desenvolvimento económico, a universalidade dos direitos à Educação, à Saúde, enfim o próprio Estado Social, etc. E quem sabe a própria Independência Nacional.
A Contra-Revolução e a estagnação da economia
Com a Contra-Revolução, em poucos anos a estagnação económica, tornou-se um facto consumado, para durar (ver gráfico referente aos anos 1980-85 e anos consequentes); apenas foi interrompida nos períodos de 1986-90 e de 1996-2000 (ver o mesmo gráfico na parte referente a estes períodos). Mas convém referir o seguinte: o primeiro correspondeu á entrada de Portugal nas Comunidades Europeias e durante esse período foi preservado o princípio da coesão económica social com fundos comunitários, que foram usados para, em certo sentido, impor a Portugal o abandono dos seus recursos naturais, das suas actividades produtivas, portanto das linhas de desenvolvimento que vinha trilhando; comparando o gráfico nos dois períodos e posteriormente, pode-se observar os efeitos da nova política económica imposta pela Europa; esses efeitos são evidentes a partir de 2000, tendo o euro, não só encontrado mas também contribuído para a estagnação da economia portugue sa.
A estagnação económica tornou-se numa porta aberta para o endividamento do País. Se o crescimento económico tivesse aumentadoao ritmo dos anos que se seguiram à Revolução, no ano 2010 a produção poderia ter sido cerca de duas vezes e meia a que realmente se verificou nesse ano. O endividamento foi consequência não do consumo excessivo, mas da paralisação da economia, e do seu enfeudamento à Europa. Mas as classes dominantes em Portugal parece não se terem preocupado com essa paralisação, seguindo na senda da Europa, ao procurar manter os seus lucros através de uma maior exploração da classe trabalhadora (ver gráfico seguinte).
A Contra-Revolução e a Crise do capitalismo
Encontrando-se o País fortemente endividado, a dívida foi aproveitada pelos governos PS, PSD e CDS para contrair um empréstimo a juros agiotas e em condições draconianas. Com o argumento da necessidade de o País cumprir ‘as suas obrigações’, isto é de pagar esse empréstimo e os correspondentes juros, impuseram ainda, com o apoio do grande capital e o desemprego em massa da classe trabalhadora, uma política que lhes permitia atacar o que restava da Revolução de Abril: a resistência dos trabalhadores e o Estado Social com todos os direitos inerentes: trabalho, saúde, educação…
* Nota final - explicação matemática do primeiro gráfico:
1.Para as curvas logarítmicas traçadas no primeiro gráfico, utilizei a tabela do PIB a preços constantes, construída com dados do INE-BP, base 2006, Fonte PORDATA, actualizada em Junho de 2011.
2 A substituição do valor inicial do PIB escolhido como base (no caso presente foi o de 2006) na construção da tabela a preços constantes, bem como da unidade monetária utilizada, escudos, dólares, euros ou marcos (no documento utilizei ‘mil euros’ como unidade monetária), não alteram a forma da curva logarítmica, apenas originam translações do gráfico paralelas ao eixo das ordenadas, mantendo as direcções das tangentes ou das rectas que unem dois quaisquer dos pontos (do gráfico). As taxas de crescimento do PIB são invariantes para as multiplicações por constantes, daí não me ter preocupado a fornecer dados inúteis, e muito menos a levantar outros problemas. As curvas logarítmicas são deslocadas para cima ou para baixo na direcção do eixo das ordenadas, sem alterar a sua forma; apenas se somam ou subtraem constantes aos valores do gráfico.
3.Pode dizer-se que a forma da curva logarítmica caracteriza bem a evolução do PIB, é independente do valor da base e da moeda escolhidas, mas tem uma pequena ‘nuance’: as variações bruscas da taxa de crescimento, se de curta duração e sem reflexos futuros, como sucedeu em 1974, ficam esbatidas no gráfico; as que perduram, mesmo lentas que sejam (como a que se estendeu no período 1980-2010) reflectem-se com o devido realce.
4. O valor médio da taxa de crescimento do PIB em cada intervalo de tempo é proporcional à inclinação da recta que une os pontos do gráfico referentes ás extremidades desse intervalo (a constante de proporcionalidade é o logaritmo neperiano de 10 de base ; ver nota 2 de rodapé no artigo ). Através do gráfico pode observar-se que em quase nenhum intervalo de tempo posterior a 1980 a taxa de crescimento atingiu a média com que vinha do período anterior, incluindo o período revolucionário. Referimos o intervalo 1985-1990, mas a seu respeito tecemos alguns comentários no documento.
5.Para se ter uma ideia dos efeitos da perda do ritmo de crescimento da produção que existiu no período 1980-2010, podem comparar-se os valores do PIB dados na recta do gráfico com os da curva que representa o processo evolutivo que se verificou em Portugal; estes valores tomados no ano de 2010, por exemplo. O quociente desses valores do PIB é aproximadamente igual a 2,5 (ver nota 3 de rodapé). A recta representa a evolução do PIB a taxa de crescimento constante igual à taxa média anterior a 1980 (ver nota 1 de rodapé).