Desde ontem que estão a ser dados passos pela NATO no sentido de garantir uma intervenção na Líbia com os mais diversos pretextos, nomeadamente a possibilidade de um conflito interno. O secretário-geral convocou uma cimeira e os media já começaram a comentar essa possibilidade.
O imperialismo deixa cair a linguagem dos direitos humanos. Depois de uma barragem informativa com características diferentes das que tem ocorrido com alguns dos outros países, a palavra de ordem neste casoreorientou-se.
A revolta que decorre em várias zonas da Líbia tem muitos pontos de contacto com as do Egipto, Tunísia, Bahrein e outros países.
Mas tem diferenças significativas.
Kadhafi nacionalizou o petróleo em 1969, na sequência do derrube do rei Idris, uma marioneta do imperialismo. A Líbia tem uma população muito pequena e a riqueza produzida com o petróleo per capita é muito superior à de outros países produtores. Os países ocidentais que antes dispunham de um acesso discriminatório a esta riqueza viram-na transformar-se em factor de desenvolvimento do país e de uma significativa elevação das condições de vida da sua população. Se bem que grandes potências estejam hoje com posições fortes na indústria petrolífera.
Incluída pelos EUA na lista negra , a Líbia viu o seu teritório ser bombardeado pelos norte-americanos em 1986 e mortas dezenas de pessoas entre as quais uma filha de Kadhafi.
Kadhafi que fora durante dezenas de anos aliado dos povos vítimas do imperialismo, começou a partir sde 2003 a abrir a economia à banca internacional e aceitou os "ajustamentos estruturais" do FMI que se traduziram em privatizações de empresas públicas, a um acréscimo da corrupção a partir dessas actividades e chegou a cortar os subsídios à alimentação e gasóleo que tanto pesam na população, organizada em tribos.
A revolta tem a sua sede, não por acaso, na zona de Benghazi, de grande produção de petróleo, dos pipelines deste e de gás, de refinarias e portos de exportação.
A actividade especulativa em torno do preço do petróleo, com pretexto nos actuais acontecimentos, e os boatos sobre as quebras das remessas, prenuncia justificações para uma intervenção norte-americana. Apoiada também na insegurança que a Frente Nacional para a Salvação da Líbia, criada, treinada e financiada pela CIA, há muitos anos tem provocado. Com os EUA a milhares de quilómetros, esta situação está a gerar um surto de refugiados para vários países europeus. E é a partir de Benghazi, que os media dizem liberto de Kadhafi, que este surto é maior.
Importa não esquecer que o Estado líbio difere do da generalidade dos países. Organizado por tribos e famílias, com um mínimo contacto entre elas e uma estrutura comum administrativa e de segurança, reflecte um equilíbrio de tribos, harmonizada pela gestão dos bens naturais em prol delas.
O aparelho repressivo de Kadhafi não é diferente e é mesmo inferior ao que existe no Bahrein, no Kuwait ou na Arábia Saudita. Mas o tratamento de "direitos humanos" de Obama a estes não se aplica porque têm bases norte-americanas e dirigentes fantoches, que fazem o que os EUA querem.
Quando em Benghazi se arvoram bandeiras da monarquia e cartazes a reclamar o petróleo para o ocidente, tudo fica mais claro.
Apoiando as reivindicações justas do povo líbio por democracia e melhores condições económicas, não devemos, porém, meter a situação ali vivida no mesmo saco que as outras. E importa sublinhar particularmente a necessidade de conjurar uma intervenção imperialista que toma por "direitos humanos" os seus direitos a ocupar parte da Líbia e a controlar gás e petróleo.