domingo, 5 de setembro de 2010

Reportagem de uma jornalista na Festa: "Só aqui consigo sentar-me com pessoas 30 anos mais velhas como se fôssemos iguais"

Por Cláudia Sobral (Público, hoje)
José Godinho não é militante. Ao jornal que traz debaixo do braço já roubou uma folha para improvisar um chapéu como um barquinho de papel não acabado. Está muito sol no segundo dia da Festa do Avante!. Vem todos os anos? "Desde sempre." Pede um caldo de carne e uma sangria. "Posso comer aqui ao balcão?", pergunta. "Claro."

Aos 72 anos, já nem se recorda se terá falhado alguma festa. Terão sido apenas uma ou duas, assegura. Porque a festa "é um centro de convívio, onde há muitas actividades para além da música. Como é só uma vez por ano, faço questão de vir." Provavelmente ter-se-á cruzado algumas vezes por ali com José Saramago, lembrado no primeiro Avante! depois da sua morte, numa das paredes do pavilhão central. Como Nobel, como camarada, como uma das pessoas que ajudaram a montar as tendas da festa nos primeiros anos.

Ainda é início de tarde mas o recinto já está cheio. Os concertos começaram às 14h00. E ainda há muita gente lá fora. Há um parque de campismo com lugares limitados, mas há quem vá plantando a sua tenda onde der. Nuno Pinto, de 20 anos, veio de Viana do Castelo. Calções verdes, tronco nu - muito calor. "Estamos a fazer campismo selvagem ali junto ao rio." O rio vê-se para lá do palco principal, a que chamaram 25 de Abril. "É o tirar as boinas e as T-shirts do Che Guevara da gaveta." Em cada canto se encontra alguém de boina e se ouve um "então, camarada?".

Há outros palcos, mesmo para além dos secundários. Em cada tenda de cada distrito se passa muita coisa. Actuações, encontros de velhos camaradas. Junto à tenda dedicada aos imigrantes há um grupo de jovens que dança, de chapéus mexicanos. Bruno Amorim, de 13 anos, acompanha o pai pela primeira vez. Que boina é esta que traz? Não sabe bem. "É igual à do Che Guevara, um médico que ajudou os outros e que foi muito importante." A boina é verde e tem uma estrela. Foi uma amiga do pai que lhe ofereceu.

Dentro do pavilhão central e nas tendas do partido de cada distrito há gente diferente da que está lá fora. São mais velhos e interessam-se pelas palestras, pelos debates. Alguns dormem sentados até. A tarde ainda não vai longa. Não são destas pessoas que andam ao sol, pelos palcos. Lá fora, os troncos nus e os biquínis ajudam a enfrentar o calor. Os lagos que há pelo recinto estão repletos como uma piscina pública numa tarde de Agosto. Uns de fato de banho, outros vestidos. Há lugar para todos se refrescarem.

Ao Avante! vem de tudo. Gente de todos os estilos, de todas as idades. Mães passeiam carrinhos de bebé ao lado de gente que deverá ter netos - alguns bisnetos, talvez. Gente de todo o país, ouvem-se muitas pronúncias diferentes. Vem gente militante e simpatizante, mas também quem nem pense em política. Maria Luísa Mendonça, de 65 anos, é militante e não vê mal nisso. "Eu venho pela política, mas há muitos jovens que não", diz. "Se a festa fosse só política, não havia tanta gente." Um grupo de adolescentes descansa, recostado na parede de uma das tendas. "Eu venho pelo convívio, pela música", confirma Sara Caldas, de 17 anos. "Nós", e fala pelo grupo de amigos, "não vimos pela política."

Quem também andava pela Quinta da Atalaia misturado na multidão era Francisco Lopes. Sem qualquer intervenção prevista nos comícios, o candidato do PCP às presidenciais ia falando com os jornalistas e garantindo que a sua candidatura é para levar às urnas.

Os que se sentavam para ouvir falar de política ao início da tarde são os mesmos, agora que o tempo arrefeceu. Não exactamente as mesmas pessoas. Mas os mesmos. A diferença é que se multiplicaram entretanto. Um dos senhores de camisa desabotoada que aqui dormitava ao início da tarde continua assim. No mesmo lugar.

A música mistura-se com as vozes que discursam e debatem no pavilhão central. E com os sons de todas as tendas. Num dos intervalos ouve-se Zeca Afonso, muito lá ao longe. Ouvem-se cantares alentejanos, esses bem mais perto. E toda esta amálgama de gente e de sons é esta festa que os que vêm dizem ser única. "Posso não ser comunista mas aqui encontro um espírito que não encontro em mais lado nenhum", diz Telmo Parreira, de 21 anos, vindo do Porto. "Só neste festival consigo sentar-me à mesa com pessoas trinta anos mais velhas do que eu e falar com elas como se fôssemos iguais."

3 comentários:

Anónimo disse...

E QUE GRANDE FESTA A DESTE ANO. INESQUECIVEL!! TUDO O QUE SE POSSA DIZER NÃO TRADUZ A GRANDIOSIDADE DO QUE SE PASSOU NA ATALAYA.
A ALEGRIA, O BEM ESTAR, A GENTE ANÓNIMA (SEM CONOTAÇÃO POLITICA), TUDO ESTAVA EM HARMONIA PERFEITA,
ASSIM, O MEU SONHO DE UM DIA VER O MEU PAÍS NESTA HARMONIA, TOLERANCIA E... QUE DIZER MAIS???
RESPEITO PELA OPINIÃO DE CADA UM, ALI TUDO SE VIU E OUVIU.
INESQUECIVEL
ALACANT
ALACANT

migana disse...

Desde que participei na primeira Festa do Avante, ainda na FIL,que sinto esta partilha fácil,natural entre todas as gerações e todo o tipo de pessoas que por ela passam, esse é mesmo um traço comum e de continuidade digno de registo.

Alex disse...

Foi de "pompa" como é uso dizer...
Como sempre senti-me feliz e para ano há mais...~
Todos juntos, sempre, para o mal e para o bem.
Abraço
:))